Ângela Maluf, vice-prefeita de Cotia, busca um governo tão plural quanto a sua vida

Ângela nos recebe em seu escritório na Prefeitura de Cotia com um sorriso largo e o abraço apertado como se fôssemos velhas amigas. Em uma entrevista que se transforma em bate-papo e se estende ao café da tarde, ela abre o coração e mostra ser muito mais que política – Ângela é uma mulher, preta, lésbica, idosa, mãe e, há quase um ano, vice-prefeita de Cotia. Junto à Secretaria de Direitos Humanos, Cidadania e da Mulher, ela governa pela diversidade.

“É um governo que fala: “temos que corrigir isso”, “temos que ver isso”!”, explica ela, que foi pega de surpresa pelo convite do atual prefeito Rogério Franco para participar de sua chapa – e Ângela, que quase não gosta de um desafio, não precisou pensar duas vezes.

“Quando veio a campanha [eleitoral] eu falei assim “agora vou me posicionar inteiramente sobre tudo!”, porque é uma idade que me permite isso. Eu tenho que falar de uma mulher, idosa e lésbica. Eu tenho que falar de uma mulher posicionada na vida, porque eu tenho que falar por todas nós!”, exclama Ângela.

“É uma questão minha, pessoal, com quem eu durmo, com quem eu me relaciono, a mãe dos meus filhos… mas somos muitas! Somos mulheres, somos pessoas incríveis. É essa pluralidade”, frisa ela, que desde o início de sua carreira defende a diversidade. “Isso é construção política: ouvir todo mundo”, afirma.

“Eu gosto da provocação, a provocação te arranha um pouco, te joga daqui pra lá…”

Foto: divulgação

Nasce uma política – sem querer

Nascida em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, Ângela se mudou com a mãe e as irmãs buscando uma vida melhor em São Paulo. Sua função em tempo integral se tornou, então, cuidar da família.

Ela não pôde terminar o ensino médio, mas sentiu a necessidade de voltar a estudar quando, num lapso, se candidatou para uma vaga de vendedora em joalheria – por pura diversão. Inventou um currículo mirabolante e, ainda assim, recebeu um não como resposta.

Se sentindo injustiçada, ela logo se matriculou no supletivo para terminar o ensino médio. De lá, foi direto para o vestibular de pedagogia.

“Eu acho que esse empoderamento veio com a minha idade.”

Recém formada aos 50, Ângela prestou concurso público para trabalhar como professora eventual e, assim, cuidar e manter a saúde da mãe. De lá, foi convidada para ser membro da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Cotia, aonde ficava responsável por uma série de projetos sociais e culturais.

Da APAE para a pasta de Cultura de Cotia foi um pulo. Ângela se tornou responsável por tudo quanto era evento na cidade – desfiles, paradas, shows e intervenções.

“Eu nunca fiz alguma coisa intencional, eu não tenho segundas intenções. Sou muito livre disso! Eu vou caminhando… e desejo sempre que você seja feliz! E feliz é com dignidade, né? Promover segurança, trazer um atendimento de saúde, uma vaga na creche garantida, não ter medo de andar na rua…”

E foi esse desejo por felicidade aos cidadãos que inspirou o prefeito Rogério Franco à convidá-la para ser sua vice-prefeita. “Eu fiquei tão feliz por esse convite, essa oportunidade… e assim “tô” eu aqui! E aberta, para o que Deus quiser, eu sigo”, comemora ela.


Durante a posse, Ângela Maluf posa ao lado do Prefeito Rogério Franco e de sua esposa Mara; e de sua companheira Renata e o filho delas, Francisco – arquivo pessoal

Os mil e um atos de Ângela

Nesses quase um ano de mandato, ainda que enfrenando a pandemia de COVID-19, Ângela não deixou de lado as causas que trazia próximo ao coração. Houve certo atraso, sim, para a realização de alguns projetos – mas, como a própria Ângela diz, “a prioridade era salvar vidas” -, mas a vice não se deixou abalar.

“Quando veio a campanha, eu falei “prefeito, a gente tem que falar sobre a população trans, sobre a questão LGBTQIA+, eu quero muito falar sobre isso”, e assim nasce a Secretária de Direitos Humanos, Cidadania e da Mulher, presidida pela própria Ângela. No dia 1º, Cotia se tornou a primeira cidade da região a ter um Núcleo de Atendimento exclusivo para pessoas trans.

Ângela durante a inauguração do Núcleo – foto: Alexandre Rezende

“Aquele mesmo que te censura até às cinco da tarde, para o carro quando o sol se põe e vai “brincar com você”, fala Angela sobre a vida de pessoas trans na comunidade. Ela quer que o Núcleo também seja um lugar de acolhimento e segurança para essas pessoas.

“Lá é o espaço ideal!”, afirma Ângela sobre o ambulatório. “Lá, eu tenho psicólogo, psiquiatra, dispensação de medicação, assistência social… eu tenho TUDO!”, se emociona a vice com a realização do tão sonhado projeto.

“É comer arroz e feijão com tudo o mais que a gente quer e pode. Não é só o que nos dão, é o que a gente tem vontade – de ser, de pensar, de viver e sorrir. Me agrada ser quem eu sou!”

A causa da educação, que sempre lhe emocionou, também segue próxima: recentemente, Ângela e a esposa, Renata, matricularam Francisco, seu bebê de quase dois anos em escola municipal.

Ao preencher os dados do pequeno, a vice-prefeita notou que não havia espaço para duas mães – a ficha exigia o nome do pai. “Eu não sou homem, eu sou uma mulher, e minha mulher é outra mulher. Somos as duas mães dessa criança. Não há espaço para nós numa ficha da educação?”

Indignada, Ângela só precisou fazer algumas ligações para mudar a situação: agora, as fichas pedem por “responsável 1” e “responsável 2” – mais uma vitória para a conta.

“A gente tem que falar dessas causas tão sutis que passam despercebidas no dia-a-dia. Mas, que quando você se posiciona, representa mais um monte de gente”, relata ela. Ângela enxerga essa como sendo uma vitória de todas as famílias – afinal, muitas crianças são criadas por dois pais, pelos avós ou por mãe solo. É essa inclusão que ela quer para seu governo.

Ângela durante o evento de Consciência Negra – que foi um sucesso – foto: Alexandre Rezende

A exceção quer ser regra

Ângela se orgulha muito das realizações que acumula até hoje, mas reconhece que, sozinha, não pode fazer revolução. “Nós temos que promover mulheres na política, porque nós temos uma contribuição imensa para dar”, afirma ela.

“Quem eu quero que me represente? Eu quero uma mulher idosa, uma pessoa cadeirante… tem que ter essa diversidade lá!”, comenta ela. “Eu quero promover essas mulheres!” frisa Ângela, com a promessa de um evento que melhor capacite mulheres na política para o próximo ano.

Foto: divulgação

A sorte segue a coragem“, cita Ângela durante nossa conversa. A frase, de Mário Sérgio Cortella, resume bem sua relação com os desafios da vida: corajosa que enfrenta um ambiente predominantemente composto por homens, Ângela colhe a sorte como fruto de todas as suas vitórias.

Nós também seguimos a sua coragem, Ângela! Estamos ansiosas para ver o que mais você fará por Cotia – e temos certeza de que não será pouco.

A equipe da TUDO ao lado de Ângela

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