Os insondáveis: a presença do bullying entre crianças, jovens e adolescentes

Por Adriana Xavier

Por que recomeçamos a nos intimidar? O que no outro nos afeta a ponto de gerar um comportamento de repulsa, rejeição e até ódio? Eu digo recomeçamos, pois a nossa história mostra que só nos tornamos civilizados quando passamos a cuidar uns dos outros, quando passamos a enterrar nossos mortos com rituais, mostrando a valorização desses entes que conviveram conosco. E, então, seguimos nosso curso evolucionário desenvolvendo habilidades de empatia e de cooperação, o que em tese, deveria garantir uma convivência harmônica e agradável.

Entretanto, se olharmos para trás, para nossas histórias, nossas infâncias e adolescências, certamente encontraremos cenas em que fomos ou vimos alguém passar por processos de exclusão, de deboche, de hostilização, de “bullying”. 

O termo foi popularizado há cerca de 20 anos por pesquisadores da Universidade da Noruega, que investigavam as causas de suicídios entre jovens e adolescentes. O estudo  mostrou que, muitas vezes, esses indivíduos sofriam agressões verbais ou físicas no ambiente escolar, frequentemente encaradas pelos adultos gestores como “insignificantes”, mas que agiam de forma corrosiva, minando essas vidas a ponto de desencadearem ações implacáveis, como o suicídio. Isso porque, fora os aspectos emocionais, do ponto de vista físico, nosso cérebro é afetado por esses comportamentos, gerando processos de ansiedade, depressão e baixa autoestima.

Sabemos que aspectos envolvendo crença, raça, gênero e nível social representam alvos clássicos para assédio moral, rejeição e intimidação.  Acerca disso, muito se tem refletido e essa questão está escancarada nas redes sociais e na mídia em geral, e tem sido furtivamente atacada e até sancionada. Contudo, não podemos – nem de longe – afirmar que essas pessoas agora podem viver em paz; não mesmo!

Também não podemos deixar de mencionar os meninos e meninas com transtornos de aprendizagem, defasagem intelectual, portadores de altas habilidades ou outras questões específicas, que necessitam de apoio diariamente para sobreviver em ambientes hostis. Sim! Ainda há muita luta e muito sofrimento pelo caminho, mas, peço licença agora e meu coração acelera muito quando abro esse novo ponto de reflexão para mencionar aquelas crianças, adolescentes, jovens – que não necessariamente se encaixam em nenhum desses grupos mencionados acima – tão massacrados e talvez, por isso, percam ainda mais suas vozes, sua identidade; são os “invisíveis”, os indiagnosticáveis, os cabisbaixos, os insondáveis, os que não estão na turma; para esses, parece não haver justificativa para perceber o sofrimento e se eles reagem é porque são maus; quem sofre deve ser vítima, não pode reagir, perde os direitos. Eles podem se acostumar à solidão, não por opção, mas por estratégia de defesa. Parece que nem os professores e os próprios pais o entendem, mas são intimidados diariamente, bem devagar, bem delicadamente, com sutilezas de crueldades, que talvez nem apareçam e se tornem públicas para a comunidade que os cerca. Então, tudo vai ficando embutido até que algo aconteça; e é aí que eu venho trazer esse apelo:

Basta! Temos que abrir os olhos, observar nossa criança em casa, em sala de aula , no recreio (recado aos educadores), na academia, no parquinho do condomínio. Não, não é normal… hostilidade não é normal, já transcendemos a isso! Volto ao início, quando entendemos que começamos a nos civilizar, à medida em que passamos a cuidar uns dos outros, assim como afirmou a antropóloga Margaret Mead ao ser questionada sobre quais os sinais de evolução na humanidade. Ela referiu-se ao achado de um fêmur colado, o que mostra que o indivíduo machucado foi cuidado, assistido, preservado até que ficasse bem! Ela disse:

“Ajudar alguém a passar pela dificuldade é o ponto de partida da civilização. A civilização é uma ajuda comunitária”.

E não é só acolher quem sofre, é ajudar quem faz sofrer ou quem é omisso ao sofrimento do outro. É preciso que estejamos atentos, que possamos acompanhar nossas crianças e adolescentes, conversando, buscando ajuda, tentando encontrar os porquês, oferecer ferramentas, recursos para transpor essas dificuldades para que não fiquem plasmadas no corpo, na mente e na alma. 

E podemos fazer muito! Na escola, o espaço para a escuta e a oferta de atividades que explorem ações colaborativas são importantes aliados para minimizar esse imenso problema. Muitas vezes, como já mencionamos, não há um laudo, uma suspeita de algum tipo de transtorno, um profissional parceiro que esteja acompanhando essa criança ou adolescente, mas, como diz um querido amigo e mestre, a criança está ali, todos os dias diante de você, então, olhe pra ela, trabalhe com ela aqui e agora.

E em casa, é preciso ficarmos atentos a comportamentos como por exemplo, o isolamento excessivo, o silêncio, humor irritadiço sem causa aparente devem ser investigados. 

Pode ter alguém com um “fêmur quebrado” precisando de ajuda!

Vamos refletir!

Dica:

Documentário: “Bullying – machucar o outro não é brincadeira

E para se aprofundar sobre o tema Saúde Emocional entre jovens e adolescentes, indico essa obra incrível do doutor em psicologia e antropologia Hugo Monteiro Ferreira.

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