Crônica: A esperança e o caracol

Por Adriana Xavier

“Novo começo de ano! Para mim, que sou educadora, é tudo novo mesmo! Nova turma, novas famílias, uma nova história que começa a ser escrita. Mas, a minha impressão é que mal sacudimos a poeira de 2022, aliás nem do ano passado, muito menos de 2021 e do fatídico 2020, e já estamos às portas de 2023, que vem urgente, apressado, como a gente, quando chega esbaforido a um compromisso, depois de  ficar parado naquele conhecido e temido trânsito da Raposo Tavares.

Sou de 73, então, esse ano, completo um quinquênio de existência, e me sinto envolvida por esse simbolismo da cultura de uma safra chamada por muitos de geração X, os contemporâneos dos Beatles e da chegada do homem à lua. Penso que esse olhar que carrego, é endereçado a ver um “mundo melhor no futuro, ainda que por cima do muro”, como diria o sábio Lulu Santos. Mas agora, parece que pisamos no chão verdadeiramente, sentindo toda concretude e firmeza, por assim dizer, que o contém. As pessoas tiraram as máscaras em vários sentidos e retomaram a vida. O mundo voltou a girar, apesar do hexa que não veio, das cornetas e apitos verde amarelos no canto de casa e das lojas, e dos rojões que não estouraram (os animais agradecem), há uma centelha de esperança pairando no ar e cada um de nós parece compactuar desse movimento da retomada vindoura da vida.

Vejo uma nova geração, nascida no mundo digital, mas que anseia por estender esse olhar ao passado, não no sentido nostálgico, mas sim, no sentido de beber dessa fonte para reaprender a viver. Convivo com famílias, pais dos meus estudantes da geração Y, anterior a minha, que chegaram a um mundo já avançado do ponto de vista tecnológico e que se tornaram pessoas mais curiosas e inquietas, entretanto, percebo uma mudança de conduta, de olhar, de postura, gerações se cruzando num movimento de intersecção, de aprendizagem, de abertura de visão , de concepção das coisas, de entendimento, de escuta.

De alguma forma, tudo isso tem repercutido na escola, na sala de aula.

Nossos pequenos e grandes vieram portando uma certa flacidez social, pouco exercício do convívio, das relações e tivemos dois caminhos a percorrer nesse sentido: o primeiro foi o de exacerbar, romper, arrancar a máscara e mergulhar na vida, custe o que custar, com choros e risadas, correrias e silêncios ensurdecedores. O outro caminho é o da lentificação, da pausa, da espera, do exercício da paciência, mais difícil de ser direcionado e que depende dos adultos mediadores do processo. Como tudo na vida, o que é artesanal, o que é cuidadoso, tem a tendência de permanecer. Será? Sendo assim, o que vemos é um grupo de crianças afoito por falar, por se colocar, e que nem sempre consegue olhar para o outro, e muitas vezes nem para si mesmo, e tudo isso gera um movimento negativo na escola, com participações mais agressivas e relações que não se sustentam. E na mesma via, seguem escolas, com  prospectos semelhantes, correndo para entregar resultados de processos de aprendizagens que não se concluíram, que não foram vividos.

Vemos também, e é sobre esse grupo que quero “falar”, crianças e escolas que propõem uma retomada mais lenta, não no sentido da não fluidez e da falta de riqueza, pelo contrário, a vivência e mediação de processos de socialização e construção de conhecimentos mais engajados e significativos. E, é em meio a esse movimento, que percebemos as famílias, os educadores e os estudantes, se permitindo a cada dia viver sob uma imersão de outros valores, ritmos que vêm se sustentando e sendo esteio de uma vida melhor, “com gente fina, elegante e sincera”. Assim, enxergo, de fato em 2023, essa esperança de quem a imposta, quem a assume, vive sem medo e sem culpa.

Lembrei-me de um livro queridíssimo que me faz refletir sobre tudo isso, chamado “A pedagogia do Caracol – por uma educação lenta e não violenta”, do autor italiano Gianfranco Zavalloni. Nessa grande obra, fala-se da necessidade urgente de se adotar estratégias para conduzir aprendizagens – e a vida – de uma maneira mais leve.

E essa visão deve ser construída a cada dia, exercitada em vários momentos.

Minha geração ainda tinha que se levantar para mudar o canal da televisão e atender ao  telefone fixo, mas já aproveitamos o controle remoto e o telefone sem fio sem culpa, pelo menos assim imagino que deva ser.

Vivenciei processos com meus alunos neste ano, envolvendo o estudo das árvores e aprendemos que crescer com pressa não é preditor de crescer com saúde, com viço, com bom enraizamento, pelo contrário, há que se esperar pela chuva, pelo sol e buscar a firmeza e a nutrição necessária para se erguer e se manter.

Vamos retomar os olhares para os processos e não só para as entradas e saídas, porque como, sabiamente, Riobaldo da obra Grande Sertão Veredas diz:

“O real não está no início e nem no fim, ele se mostra pra nós no meio da travessia”.

É preciso, no entanto, que saibamos identificar esse percurso não como um algoz , mas sim, como um fio de ensino, que conduz, que liberta, que permite algumas paradas não planejadas, contemplações prazerosas e necessárias, encontros. A esperança das nossas e das próximas gerações reside aí, nessa sabedoria.”

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