Por Adriana Xavier, pedagoga e psicopedagoga
“Na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê”, como diz a canção, cada um ao seu modo, realidade, olhar, tem vivido essa pandemia…
Nós nos deitamos ao fim do longo dia e quase sempre nos levantamos no dia seguinte portando uma fagulha incandescente, que apesar de pequena, costuma ser tão forte, capaz de aquecer e reacender a esperança. Sim, vivemos um dia de cada vez, e em cada um deles, suportamos toda a transitoriedade desse tempo em que nossas agendas são preenchidas a lápis.
E nesse tempo, temos falado muito sobre linha de frente, e sim, de fato, quantas frentes temos em nossa sociedade; serviços e pessoas a postos, faça chuva ou faça sol, tornando nossas vidas possíveis, afinal, nós continuamos comprando pão todo os dias, colocando combustível no carro, o lixo pra fora, indo ao médico, dentista, hospital, veterinário… são tantos e tantos organismos funcionando. Contudo e com todo o respeito, eu peço licença a todos eles para falar de uma outra frente. Aquela que vivencia uma batalha todos os dias contra os monstros, dragões perigosos que cospem fogo, lobos devoradores de meninas indefesas, bandidos malvados que invadem as casas e tantas outras ameaças.
Os que pertencem a essa linha de frente não perdem o sono pensando no amanhã, aliás, sabem dormir e se têm algo incomodando, se aparece o medo do monstro que vive embaixo da cama, tem sempre o ursinho para abraçar e tudo quase sempre fica bem.
Essa “gente” grata pela vida, só quer estar junta, se relacionar, se encantar, elaborar, compreender o mundo, a si e aos outros.
Sim, as crianças, nossas crianças, sempre as crianças! Desbravadoras de uma nova geração que se apresenta agora para ensinar-nos que tudo pode seguir e que a vida está aí para ser vivida. E a escola, no chão de terra ou na nuvem, como um castelo do Olimpo, tem sido mais do que nunca, a interlocutora, o continente que vai tornar possível essa presença dinâmica e provocadora diante da vida.
Ora aqui, ora ali, dias vêm e vão, fecha aquilo hoje, abre ou reabre amanhã, tira a máscara, coloca a nova, troca, guarda, passa álcool; não dá mais para emprestar o brinquedo, experimentar o lanche do amigo, não dá… e tudo bem.
Apesar de tudo isso, nossos pequenos peregrinos, caminhantes, andam de mãos dadas com a tolerância, a resiliência, com a esperança, com a fé, com a coragem, sem presunção, mas com toda tranquilidade de quem sabe por onde vai, e seguem empunhando a bandeira da revolução. Sim, eles querem revolucionar e possuem uma “arma” altamente poderosa e potente, que dialoga com esse mundo e o transvê por meio da imaginação, como diz o poeta:
“O olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo” – Manoel de Barros
E esse instrumento bélico é o brincar. Cortante, esmagador, inflamável, atômico; mantém vivos esses soldados e também aqueles que os cercam, com uma força imensa.
O psicanalista inglês, Donald Winnicot, que trabalhou com crianças após a segunda guerra mundial, seriamente transtornadas por afastamento de suas famílias em situações de evacuação das casas, em sua obra “O Brincar e a Realidade”, fala da criatividade e da espontaneidade que são nutridas por meio da brincadeira; isso não só em se tratando das crianças, mas também dos adultos. Estamos falando de leveza, do quanto a vida pode valer a pena.
Vamos brincar!
Deixem os meninos e as meninas brincarem.
Brincar é um ato de resistência!
Inspire-se! Assista a dois mestres no assunto, Renata Meirelles e Severino Antonio no Café Filosófico, falando sobre a importância do brincar!