Por Mariana Marçal
Crédito imagens: Thiago Bruno
Com a delicadeza de um gentleman e a personalidade marcante de um escorpiano, Fernando Torquatto nos mostrou em um bate papo bem good vibes, para que veio ao mundo.
Gatíssimo, ele transpira verdade e gentileza em cada palavra. “Eu vejo nobreza em tudo”, contou. A entrevista foi virtual por conta dos 500 quilômetros que nos separavam. A gente de frente pra ele. Ele de frente para o mar do Leblon. Fernando mora há mais de 20 anos no Rio de Janeiro e a santa tecnologia nos uniu numa tarde quente de segunda-feira.
Nascido em Santos, integrante de uma família de oito irmãos, filho de uma dona de casa apreciadora do mundo da beleza e de um engenheiro naval apaixonado por fotografia, Fernando cresceu transitando confortavelmente pelos dois mundos e extraiu tudo de melhor que pode deles. Se tornou um artista da maquiagem e um fotógrafo renomado, querido no mundo do estrelato, não somente por transbordar talento, mas pela sua integridade como profissional e pela energia única que transpõe.
Focado no que quer, em 11 meses trabalhando profissionalmente ganhou um prêmio de melhor maquiador do Brasil. E acredite… sua preocupação não é só com o seu sucesso. O galã lutou bravamente para que a sua profissão fosse valorizada no país.
Falando em carreira, vale comentar aqui que ele já esteve pela Granja a trabalho e deixou no ar a possibilidade de uma visita quando estiver em terras paulistas. Enquanto a gente espera, você pode ler e reler essa matéria onde falamos sobre família, carreira, espiritualidade, (re)conexão e sobre o seu studio de beleza que é quase um universo particular.
“Cuide da sua energia. É ela que vai fazer com que as pessoas se aproximem de você”. Recado dado, Fernando!
Fernando, vamos voltar ao passado. Conta pra gente como foi sua infância, de onde você veio.
Nasci em Santos e venho de uma família de oito irmãos – tenho sete irmãos e um primo que foi criado junto. Meu pai era engenheiro naval e minha mãe dona de casa. Cresci vendo meu pai trabalhando com navegação, mas com a fotografia fazendo parte do dia a dia dele. Minha mãe sempre foi muito vaidosa e ligada ao cinema. Como sou o penúltimo mais novo, acabei ficando muito próximo dela e absorvendo essas informações de tudo o que ela gostava: de cinema, de atrizes, de beleza; ela adorava cantar e eu canto desde garoto.
Aos seis anos comecei a desenhar; desenhava rostos e reproduzia capas de revistas. Desde pequeno fui muito incentivado e nunca tive dúvidas de que meu lado era artístico.
Eu só não sabia exatamente o que iria fazer.
E como a profissão chegou?
No Rio de Janeiro fui fazer faculdade de Comunicação Visual onde tinha a fotografia como uma das matérias. Até então eu já brincava um pouco com a minha câmera, fotografava meus amigos, meus irmãos.
Essa época eu maquiava minhas colegas de turma com as maquiagens da minha mãe para fotografá-las e, ali, fui desenvolvendo essa arte que, para mim, era muito parecida com a de um desenho. Então uma amiga que fazia estágio numa agência de publicidade viu que eu maquiava bem – pelo menos o trivial eu fazia bem – e me convidou pra ganhar uma grana em publicidades pequenas, maquiando as modelos. Ela viu que eu tinha habilidade e me chamou outras vezes. Comecei a fazer comerciais maiores, fazendo maquiagem e cabelo. Daí conheci uma figurinista que me levou pra fazer um desfile menor e, depois, para fazer um desfile maior. Isso faz 27 anos. Nessa época eu trabalhava em loja.
Tudo aconteceu muito rápido, né?
Sim, em 11 meses eu ganhei um prêmio de melhor maquiador do Brasil, trabalhando na área da moda. Logo eu tive uma boa visibilidade. Nessa época associavam muito o profissional de beleza a alguém que tinha uma personalidade difícil e extravagante. Eu sempre tive esse jeito mais sereno e tranquilo; acredito que, naquele período, isso fez muita diferença. Eu já tinha talento, mas, a minha forma de chegar nos lugares chamava a atenção.
Eu me tornei uma referência antes de existir redes sociais, o que parece ser uma tarefa quase que impossível nos dias de hoje.
Como era o mercado na época?
Era mais romântico. Não tínhamos redes sociais e toda essa confusão de hoje em dia. Eu me tornei uma referência antes de existir redes sociais, o que parece ser uma tarefa quase que impossível nos dias de hoje. Tudo foi repercutindo pelo trabalho, pela minha postura e por conta do networking que eu já sabia fazer. Eu tinha talento, determinação e um projeto de carreira. Quando resolvi ser maquiador, minha mãe disse: não adianta você dar certo, porque é uma profissão desrespeitada. A sua missão é fazer com que respeitem a sua profissão”.
Isso foi o que reforçou tudo o que eu já era e todos os meus valores, tanto na vida pessoal quanto na profissão. Criei um padrão diferenciado e isso não é uma questão de talento. Cada um tem a sua identidade criativa. Mas a forma como eu me portava e fazia relacionamento se tornou atraente para o mercado e para as grandes marcas.
Eu passava confiança.
E hoje, com as mídias sociais? O que mudou?
Estou gravando uns vídeos bacanas para o Instagram falando sobre carreira. Antigamente, pra eu conseguir ter uma informação importante do mundo da moda eu tinha que deixar de curtir um final de semana para comprar uma revista que custava uma fortuna; era a única fonte para eu me atualizar e me conectar com o Universo da beleza internacional. Ou então, após as semanas de moda, eram vendidas umas fitas de vídeo que chegavam três meses após os desfiles terem acontecido. Era uma loucura pra gente se atualizar mas, ao mesmo tempo, dava uma garra enorme, uma sede de informação que hoje em dia não existe mais.
Tudo o que é muito fácil as pessoas não dão tanto valor. E essa acessibilidade imediata de ver um tapete vermelho, ali na hora, junto a esse fenômeno dos influencers, fez muita gente parar de beber na fonte real e ficar muito ligados em coisas que não são verdade absoluta. Vulgarizou muito.
O lado bom é que temos o acesso a tudo. Mas, por outro lado, confunde o leitor e desqualifica o profissional pela falta de proposta, de conceito, de visão.
Todo artista tem que ter uma visão. Sou um makeup artist – um artista da maquiagem – e não um maquiador, que é um fazedor de maquiagem. Mas acho que todos nós, essencialmente, somos artistas.
O isolamento impactou no ideal de beleza e na forma como as pessoas se olham no espelho. Como foi esse momento – profissionalmente – pra você?
Foi um choque de realidade.
Desde que eu comecei a trabalhar eu tive esse propósito de levar a minha carreira a sério. Quando eu comecei a fazer TV, percebi que teria que estudar muito. Quando comecei a fazer o Superbonita, na GNT, onde fiquei por oito anos, entendi que eu gostava de gente. E, nesta época, eu já comecei a ter uma visão holística entre o interno e o externo. Isso me deu uma outra base para avaliar o que é beleza. Então, acredito que a pandemia foi o momento da gente se olhar mais, algo que não tínhamos mais tempo de fazer. Estava tudo no automático. Substituímos um ritual de beleza por um ritual de autocuidado, que é o que faz a gente se conectar.
Comecei a fazer lives com esse tema, de aproveitar o momento para se reconectar, se alimentar internamente e ter um olhar mais generoso consigo mesmo. A pandemia também ajudou a separar o joio do trigo na internet; e acho que a voz do especialista está voltando; vai sobreviver o conteúdo e a consistência.
O que você acha dos filtros da internet?
Eu acredito muito na nossa verdade interna. Mas podemos ter a nossa fantasia. Ter uma vida só embasada em realidades é muito chato. Criar personagens, brincar, mudar a cor do cabelo, eu acho incrível. Só não dá para acreditar nisso como verdade absoluta. Aí é um problema para si próprio.
Eu, por exemplo, sou vaidoso, às vezes até meio exibido. Eu posso ser tudo o que eu quiser, desde que meus valores sejam verdadeiros.
Como você uniu e maquiagem e a fotografia?
Sou maquiador há 27 anos e fotografo há mais de 20 anos. Quando eu comecei a maquiar, percebi que, às vezes, eu fazia uma maquiagem linda e, quando via o resultado numa revista, achava estranha. Percebi que a opção de luz de alguns fotógrafos não correspondia à minha visão de beleza. Nunca questionei. Mas, comecei a levar minha câmera na mochila, escondida, e, nos intervalos da foto, eu pedia para fotografar a modelo, preferencialmente na luz natural que eu adoro.
Construí o meu olhar. Tudo o que eu fazia de maquiagem eu já pensava fotograficamente. Ganhei essa expertise. Mas, acho que quem chegou primeiro foi a fotografia, porque foi a partir dela que senti a necessidade de fazer correções nas minhas amigas da faculdade. A fotografia é a forma de eternizar a minha arte, o meu trabalho. Eu gosto de deixar as pessoas bonitas.
Em quem (ou no que) você se inspira para criar uma make?
Acumulei muita informação no próprio HD (cabeça). Eu já vi muita beleza, muitos rostos, muitas revistas, muitos filmes. Se é alguém que eu já conheço fica mais fácil. A própria pessoa me inspira, é uma referência. Quando é alguém que eu não conheço, fico pensando: de que planeta ela veio. Se tem características latinas, me inspiro na Jennifer Lopez, dentro do tom de pele, sensualidade, intensidade, sempre tentando dar uma sofisticada. Eu vejo nobreza em tudo e em todos.
Fale sobre seu projeto pessoal, um livro que valoriza a potência e a beleza de pessoas negras.
No meu livro tem uma menina negra que é recepcionista de um salão de beleza em Caxias do Sul. Ao lado está a Fernanda Montenegro; deixei a menina tão altiva quanto a Fernanda. Ela já tinha essa característica, e eu deixei isso mais visível. Eu gosto de elevar as pessoas. Estou fazendo uma exposição com pessoas negras. Durante a pandemia teve toda essa questão do George Floyd e muitos atores brancos começaram a dar espaço para vozes negras. Eu quis também fazer uma celebração da beleza negra e da diversidade. A cantora baiana Virgínia Rodrigues foi a primeira; ela foi escolhida porque saía do estereótipo de beleza da Taís Araújo, por exemplo. Depois fui no Gilberto Gil e, logo após, na Camila Ribeiro. Entrar num terreno tão delicado nesse momento e sentir essa alegria das pessoas em participar não tendo dúvidas, é muito incrível.
Você lida com a beleza, a autoestima das pessoas. Você está completamente ligado com questões como envelhecer, aceitação … é quase uma psicologia.
Antigamente, pensar em envelhecer era uma coisa estranha. Mas, quando percebemos que fomos acompanhando o tempo, é diferente. Isso te dá um frescor permanente, independente das linhas que você venha a ter. Claro que, quanto mais você se cuida, menos sinais do tempo você tem. Tem gente que tem dinheiro, faz todas as plásticas do mundo, mas já não tem mais brilho nos olhos. Eu acho que, inclusive, fui ficando mais bonito. Fico triste quando vejo que a pessoa está deixando o tempo passar ali largada. Isso independe de assumir um cabelo grisalho. Estou falando de recuperar a energia que a gente tem enquanto se está vivo. Espero que as pessoas sejam elas e sejam felizes.
Tem gente que tem dinheiro, faz todas as plásticas do mundo, mas já não tem mais brilho nos olhos.
O que marcou sua vida profissional?
Na minha vida tive várias estreias como profissional; experimentei muitos mercados: moda, TV, teatro, cinema e ópera. Sempre fugi de estar numa zona de conforto absoluta. Eu dizia para a minha mãe: essa profissão me permite colocar meu equipamento na maleta e ir para qualquer lugar do mundo e fazer o meu trabalho. Por muitos anos eu me senti sem referência, mas quando eu abri o meu espaço de beleza, há seis anos, virou o meu pequeno castelo.
Quando eu entro no Fernando Torquatto Studio, sempre digo: “aqui é o seu lugar; isso sou eu”. Abrir as portas deste espaço marcou a minha vida.
Deixe um recado para quem se inspira em você.
Primeiro lugar é necessário entender o que você imagina para si daqui um tempo. O que quer conquistar? Acho que a gente tem que ter algum tipo de meta, em qualquer carreira. Não se abata caso uma carreira como a minha pareça muito distante da sua realidade. Independente de onde você vá, cada sucesso é um sucesso.
Estudar é fundamental. Não se limite apenas ao que você goste ali, no dia a dia. Se olhe como uma empresa e atente-se a todos os pontos. Cuide da sua energia. É ela que vai fazer com que as pessoas se aproximem de você.
Ainda não realizei, mas vou realizar…
Maquiar a Madonna, a Beyoncé e a Jennifer Lopez. Iria adorar.
Conte sobre os próximos trabalhos
Quero fazer uma exposição desse trabalho que ainda estou fotografando; penso algo grandioso, de repente em um museu onde as pessoas possam visitar. Vou investir mais no meu estúdio, não só no atendimento mas na gestão de um modo geral; quero um espaço multiuso e que tenha vida; quero também voltar a viajar, que é algo que me deixa muito calmo. Estou mais espiritualizado, me reconectei mais.
Quero curtir mais os processos.
Abaixo, uma galeria com alguns dos trabalhos de Torquatto.