Salvo pela arte: Rainer Cadete é personagem principal daquelas histórias que a gente ama escutar

Imagem: João Miguel Junior

Rainer Cadete é um ator completo que transita perfeitamente bem em todas as artes, seja na música, no teatro, na televisão ou cinema, lá está ele, pronto para viver e se dedicar 100% ao trabalho. E foi através de políticas públicas que ele teve sua vida transformada pela arte e, por isso, sabe da importância da iniciativa do governo em fomentar a cultura. “O teatro que conheci através das políticas públicas salvou a minha vida. Desde que eu pisei no palco pela primeira vez, eu soube que era isso o que eu queria. Esse exercício de ser o outro, me tornava cada vez mais eu. Eu amo a minha profissão”, disse Rainer, que também revelou que tem sim suas vaidades, mas sabe muito bem o ponto de equilíbrio. “A vaidade é um sentimento humano; gosto de valorizar qualidades minhas e, ao mesmo tempo, amo tê-las reconhecidas pelos outros. Mas não deixo que isso seja guia da minha vida ou do meu trabalho”.

Que entrevista, amigos!

Confira na íntegra esse bate papo com a TUDO.

“O teatro que conheci através das políticas públicas salvou a minha vida”

Imagem: Reginaldo Teixeira

Há pouco vimos você na pele do ousado Visky de ‘Verdades Secretas’, e agora neste novo trabalho, ‘Terra e Paixão’, como o vigarista Luigi. Para o ator, como é transitar por personagens tão distintos e qual a importância de variar? Pode-se dizer que é um exercício de autoconhecimento?

É muito importante para mim, enquanto profissional, experimentar lugares tão diferentes. Isso é muito rico para um ator, para o meu processo de investigação e pesquisa. E, por consequência, isso acaba interferindo na minha personalidade. Desbravar mundos tão diferentes e ver as minhas diferenças e similaridades com esses personagens me faz enxergar quem eu sou com mais clareza. Assim, consigo saber o que eu posso acrescentar da minha vida para essas personas e descobrir outras formas de se viver com elas.

Por ser um universo totalmente diferente do seu, já que estamos falando de um vigarista, um sedutor, é muito mais divertido para o ator viver esses personagens?

A gente acaba se divertindo na investigação e na pesquisa de qualquer personagem que fazemos. E a construção diária, de dedicação extrema, de abraçar os pormenores dessa persona – e fazer de forma mais leve possível – é o que torna esse processo mais rico.

Sem dúvidas o Visky foi um personagem importante na sua carreira, mas, você diria que ele foi um dos principais? Aquele que te deu maior projeção frente ao grande público?

O Visky foi, sem dúvida, um dos maiores personagens da minha carreira. Foi um presente, diria eu, escrito magistralmente pelo Walcyr Carrasco. Construí esse personagem de uma maneira muito profunda; foram muitos meses de preparação; me transformei fisicamente e aprendi muitas coisas a partir da ótica desse personagem. Muitas coisas que me ajudaram, inclusive, na minha vida pessoal. Ele me deu a possibilidade de mergulhar profundamente em mim e de voltar com alguns tesouros desse mar. E sinto que foi um momento que colocaram uma lupa de aumento no meu trabalho. Até hoje, pessoas me param nas ruas para falar que amam o Visky. E eu também. Foi um encontro muito potente.

Rainer, você é um ator que começou no teatro, mas ir para a televisão foi algo planejado ou aconteceu naturalmente na sua carreira?

Então, eu comecei no teatro experimental de Brasília. Sou fruto de políticas públicas. Venho de uma infância humilde, a gente não tinha condições de pagar um curso de teatro. E essas iniciativas do governo de educação continuada, tanto na área das artes quanto em outras áreas, foram muito importantes para mim. Muitos amigos da minha infância se envolveram com coisas ilícitas, foram mortos pela polícia ou ficaram pelo meio do caminho. Então, eu acredito que o teatro que conheci através dessas políticas públicas salvou a minha vida. Desde que eu pisei no palco pela primeira vez, eu soube que era isso o que eu queria. Esse exercício de ser o outro me tornava cada vez mais eu. Eu amo a minha profissão. Acredito que existem diferenças técnicas entre TV, teatro e cinema. Mas acredito também que dá pra fazer um pouco de teatro na TV, um pouco de TV no cinema, um pouco de cinema no teatro; acredito muito nesse corpo multifacetado, que se expressa em vários canais diferentes. Então, eu me considero um ator de todas essas plataformas. E, ainda, sou um ator interessado em explorar outras plataformas que possam vir a existir – como foi na pandemia, que eu fiz uma peça online da minha casa. Foram maneiras de continuar existindo artisticamente. Sou muito motivado por essa inquietação de trabalhar o meu corpo e as minhas emoções. A primeira peça que eu fiz foi ‘Revolução da América do Sul’ do Augusto Boal. Uma peça que tem um cunho completamente político e foi muito importante para a minha formação como pessoa. E a segunda peça que eu fiz foi inspirada no ‘The Wall’, do Pink Floyd, que fizemos dentro de uma companhia que experienciava o fazer teatral como um todo. Então, a gente ouvia o The Wall e, a partir dessa obra, a gente construía textos, cenas, figurinos… unia o espetáculo inteiro, tendo a oportunidade de passar por todos esses lugares – como o de autor, diretor, figurinista, caracterizador, produtor. Isso foi uma base muito legal que eu tive no Espaço Cultural Renato Russo, com a direção da Adriana Lodi, em Brasília.

Muitos atores que gostam de teatro, fazem pelo amor à arte, já que a remuneração não é tão gratificante quanto os trabalhos na televisão. Qual a sua visão sobre este tema?

Vivemos num país com imensas diferenças sociais e ir ao teatro não faz parte da cultura da grande maioria dos brasileiros. Porém, o teatro é uma das mais poderosas armas de transformação social, ele reflete seu tempo, e por isso é tão fundamental que se lute por sua existência.

Recentemente você postou uma foto nas redes sociais, em que aparece nu, e causou burburinho, foram quase dois mil comentários, tanto de homens quanto de mulheres. Como você lida com a vaidade?

A vaidade é um sentimento humano, gosto de valorizar qualidades minhas e ao mesmo tempo amo tê-las reconhecidas pelos outros. Mas não deixo que isso seja guia da minha vida ou do meu trabalho.

Rainer, podemos dizer que a pandemia chegou ao fim, embora o vírus da covid não tenha sido erradicado, mas controlado. Diante da situação que enfrentamos, onde muitos morreram, você passou a olhar a vida de outra forma?

Com certeza. A pandemia nos deu a oportunidade de perceber o que é realmente fundamental, como a vida, a saúde, o espírito de coletividade. Não acredito que tenha sido possível passar por essa circunstância planetária sem ter vivido algum tipo de transformação.

Aliás, além de atuar você também tem investido na carreira de cantor. Como surgiu esse novo álbum “Leves e Reflexivas” e em que momento você percebeu que tem talento também para a música?

Houve um agente de transformação na minha vida, sim. No auge do enclausuramento, em que eu estava na minha casa com o meu filho, fiquei pensando o que eu gostaria de fazer que não tinha feito ainda. E me veio muito forte essa história com a música. O primeiro palco que eu pisei foi cantando, ao lado da minha irmã Sandra, numa Igreja. A gente chegou a cantar em alguns casamentos. E durante a vida fiz alguns musicais, mas as artes cênicas acabaram me absorvendo mais intensamente. Na pandemia, eu voltei a estudar música, comecei a conversar com o Renato Luciano, com a Cibelle Hespanhol e comecei a compor. A gente fez várias músicas, e aí surgiu o projeto “Leves e Reflexivas”, que é o meu duo musical com o Renato. Sempre refletimos sobre coisas que a gente tem vontade de falar, mas de maneira leve. Temos dois clipes – um que fala sobre masculinidade e outro sobre hierarquia. Tenho o maior orgulho desse projeto; gostaria de fazer turnê, cantar ao lado do Renato. Assim que eu tiver tempo, irei fazer. E essa coisa de ter trabalho autoral, de escrever, de ter a ideia do clipe, correr atrás para gravar, produzir, me excita bastante, me deixa muito feliz. Acredito que é só o início de uma longa história de amor com a música.

De que maneira você encara o movimento feminista e como é ser responsável por levar esse conhecimento para a próxima geração, já que você é pai do Pietro, um menino em construção?

Todo mundo que acredita na igualdade de direitos entre homens e mulheres é feminista. Eu acredito nisso com muito orgulho. A melhor forma de ensinar aos filhos é através do exemplo. Costumo brincar falando que o Pietro é meu coração, que bate fora do meu corpo.  Minha linguagem com ele é fluida no afeto. O afeto, respeito e o amor são revolucionários. A responsabilidade de ter um filho me faz buscar sempre o melhor de mim.

Pra concluir, eu gostaria de saber se você está envolvido em algum projeto que será lançado no cinema ou na televisão (que já tenha sido gravado) ou no teatro, quem sabe? Ou você prefere se dedicar exclusivamente a um trabalho de cada vez?

Poder me dedicar exclusivamente a um trabalho garante a ele uma qualidade diferente. Sou inquieto, gosto de transitar, mas estou feliz em poder me dedicar apenas ao Luigi neste momento. Ah, também acabei de lançar a música “Farinha do Mesmo Saco” em todas as plataformas digitais, com clipe, e gostaria muito que todos pudessem ouvir e ver essa mensagem. A gente é igual porque somos diferentes. E percebendo e respeitando essa diferença, a gente vai caminhar com a humanidade. Essa música traz essa reflexão que eu gosto, de perceber que somos diferentes, mas que todo mundo tem o seu lugar.

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