Entrevista de Ester Jacopetti
Introdução de Mariana Marçal
É possível dizer que Rodrigo Oliveira é um homem obstinado. Foi através dele que a comida sertaneja ganhou um novo sentido no cenário da gastronomia e hoje, o “Mocotó”, restaurante comandado pelo Chef, está na lista dos melhores de São Paulo. Mas, para chegar onde chegou não foi fácil. Apesar de algumas resistências dentro de casa, especialmente do pai, foi através dele que Rodrigo entendeu a importância de preservar suas origens e manter uma comida nordestina autêntica. Foi com o tempo e maturidade que ele aprendeu a ser persistente e ter determinação. Largou o curso de engenharia ambiental e decidiu cursar gastronomia; foi, então, que ele percebeu que sua jornada estava traçada.
Nesta entrevista exclusiva à TUDO, o charmosérrimo e talentoso Rodrigo volta às suas origens e dá detalhes de como começou a construir sua história e a importância que a gastronomia tem na vida das pessoas como agente de transformação para uma sociedade mais justa, inclusiva, saudável e humanitária.
A revista Exame divulgou o ranking dos melhores restaurantes de São Paulo e o Mocotó está entre eles. Este ano, o restaurante irá comemorar 50 anos! Como é olhar para a história que você e sua família construíram e ver a importância que o Mocotó tem, não só na região da Vila Medeiros, mas para o mundo da gastronomia?
Fico extremamente feliz. Aprendi com a Adriana Salay, minha esposa e historiadora, que um restaurante serve para restaurar, ou seja, para fazer com que as pessoas saiam de lá melhores do que entraram. Isso foi algo muito poderoso e determinante para mim. Pensei: se um restaurante pode restaurar uma pessoa, será que pode restaurar uma comunidade? Comecei a notar o papel fundamental de um restaurante assim como de outras atividades – só que o restaurante é muito capilar, por movimentar uma cadeia muito ampla de gente, de negócios. Percebi o quão poderosa é essa relação e o impacto do restaurante no entorno. Quero cada vez mais impactar positivamente as pessoas que trabalham no Mocotó e quem vive na Vila Medeiros. Já estamos olhando para os próximos 50 anos.
“Restaurante serve para restaurar”
Você sente que de alguma maneira está criando um legado na história da culinária brasileira perante o mundo, levando o nome da sua família através da comida nordestina?
Acho que o ponto de virada foi quando entendemos que podíamos apresentar uma cozinha nordestina autêntica, mas por meio de uma linguagem universal. Esse é o grande feito do Mocotó: apresentar uma cozinha que sempre foi estigmatizada. O que se falava sobre a comida do sertanejo? Que era pobre, feia, grosseira, pesada. Acredito que conseguimos reverter essa percepção. E é aí que o Mocotó se torna um restaurante notável porque – não digo que a gente cozinhe melhor do que minhas tias e avós lá no sertão, longe disso – mas conseguimos criar uma linguagem que não só o público daqui entende, mas que o mundo entende como uma cozinha de valor gastronômico. É uma linguagem nova porque se você observar as listas internacionais de restaurantes das quais o Mocotó faz parte, nenhum se parece com ele, nem na forma, nem no conteúdo.
“O que se falava sobre a comida do sertanejo? Que era pobre, feia, grosseira, pesada. Acredito que conseguimos reverter essa percepção.”
Protagonizar um reality de culinária [MasterChef Amadores] é muito diferente de comandar um restaurante. Como você trabalhou suas emoções durante as gravações para não se deixar levar pela empatia – afinal estamos falando de sonhos –, mas você precisa ser crítico em relação ao preparo da comida…
Sou sempre muito cuidadoso com as palavras, tanto no restaurante quanto no programa, mas no Masterchef Amadores não estamos lidando com profissionais de cozinha. O que me incomoda especialmente é quando cometem erros recorrentes e não assimilam os feedbacks que nós damos ao longo da competição. Ou, ainda, quando não entendem as orientações básicas das provas, isso é imperdoável.
Ao longo do tempo a imagem do restaurante foi atrelada à sua. Como você lida com a sua imagem pública? Pra você ainda é uma novidade as pessoas terem interesse em saber mais sobre o Chef Rodrigo Oliveira? Como você trabalha as expectativas alheias?
Acredito que a sociedade deu abertura para pessoas como eu; os chefs de cozinha começaram a ser chamados para falar sobre diversos aspectos da profissão, sobre a cozinha brasileira, da relação com produtores, entre outros. Vejo que isso aconteceu por uma preocupação que surgiu com a alimentação, de forma ampla, suas implicações na saúde das pessoas, na qualidade de vida, entraram na ordem do dia, e, junto com isso, a parte da cadeia que é responsável pela transformação do alimento. E também os reality shows e os programas sobre cozinha impulsionaram a figura dos chefs, o quanto se fala sobre restaurantes, gastronomia, etc. Lido bem, acredito que somos chamados, em meu entender, não a ocupar um espaço de celebridades, mas de agentes de transformação para uma sociedade, como eu disse no início, mais justa, inclusiva, saudável e humanitária.
Em uma entrevista recente ao “Provoca”. com Marcelo Tas, você comentou que na época em que começou a fazer as mudanças no restaurante, a contragosto do seu pai, você não tinha ideia do que fazer exatamente. Hoje, como é olhar pros desafios que você enfrentou? Em algum momento passou pela sua cabeça desistir?
No começo, meu pai resistiu porque, para ele, e de certa forma para todos ali de casa e da família, trabalhar com cozinha significava dedicação integral e trabalho duro. Com o tempo, eu vejo o quanto dessa preocupação de seu Zé Almeida tinha de verdadeiro. Era difícil vislumbrar uma carreira ali e meu pai nunca me incentivou. Mas, fui em frente. E não tive uma estratégia pré-determinada, um plano genial para convencer o velho sertanejo. A coisa foi acontecendo aos trancos e barrancos. Mas, hoje, olhando esses anos passados, penso que o que mais convenceu meu pai foi a minha preocupação em preservar a nossa casa, as nossas origens e o cuidado com o pessoal, a busca de uma convivência fraterna, cordial e respeitosa com todos. Sim, eu pensei em desistir.
Por conta dessa falta de incentivo dele, eu fui estudar Engenharia Ambiental, depois troquei de curso, mudei para Gestão Ambiental. Até que conheci um cara que estudava Gastronomia. Eu perguntei: eles te ensinam a cozinhar? Ele me disse que sim e que era aluno do primeiro curso de Gastronomia do país, na Anhembi Morumbi. Do convívio com esse cara, que se tornou um grande amigo, veio o encantamento por esse mundo da cozinha, porque nossa família não tinha acesso a restaurantes, por cultura e por falta de recursos. Comecei a pensar: será que eu poderia ser cozinheiro? Porque eu era muito diferente dos chefs que estavam nas revistas e livros. E concluí: talvez não seja o aluno mais talentoso, mas serei o mais aplicado. Larguei a segunda faculdade e fui estudar Gastronomia.
Voltando um pouco no passado, dá pra dizer que a cozinha foi amor à primeira vista? Você sempre gostou, desde a infância, de se envolver com a comida?
Minhas primeiras influências culinárias foram no ambiente doméstico. A cozinha sempre foi o centro da nossa casa, onde tudo passava, por onde todos transitavam. Minha mãe reinava absoluta naquele cenário mágico. Meu pai é um cozinheiro intuitivo, nunca teve formação na área e tampouco cozinhava, começou a cozinhar por necessidade. Só que ele tem um paladar tão fino, que mesmo sem haver na época essa tendência de comida saudável, de evitar excesso de gordura e sal, ele aplicava isso intuitivamente. Com 13 anos, comecei a lavar pratos, servir mesa e ajudar na cozinha no bar que meu pai tinha. Hoje, vejo que o que me levou pra lá não foi, especialmente, o apreço pela cozinha, mas a possibilidade de ficar mais perto do meu pai.
Seguindo a filosofia do desenho “Ratatouille”, você acredita que qualquer pessoa é capaz de cozinhar?
Com certeza. E hoje, existem diversas fontes que as pessoas podem buscar pra aprender, livros, televisão, vídeos no YouTube, redes sociais. Tudo isso facilita pra quem nunca cozinhou e quer aprender. Recomendo, especialmente, tudo o que a Rita Lobo produz sobre cozinha, a linguagem é acessível e todo mundo tem capacidade de aprender.
Além dos restaurantes no Brasil, você abriu o Caboco, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Como surgiu a ideia de expandir para outro país e com outro nome que não o Mocotó, que já é mundialmente famoso?
Há cerca de seis anos, fui procurado pelos executivos do Grupo Sprout, que comanda vários hotéis e restaurantes na Califórnia pra comandar um restaurante de cozinha brasileira em Los Angeles. A ideia inicial era ter o empreendimento funcionando dentro do Roosevelt Hotel, um hotel icônico. Mas o prédio não admitia uma série de reformas, então mudamos o projeto para no Arts District. Nossa ideia sempre foi mostrar a pluralidade do Brasil, então não seria olhar somente para a cozinha sertaneja que fazemos no Mocotó. Exploramos várias vertentes da culinária brasileira com um toque contemporâneo, mais ou menos como fazemos no Balaio IMS, nosso restaurante dentro do Instituto Moreira Salles, na Av. Paulista.
A gente leva a gastronomia do Brasil, mas com um sotaque californiano, porque seria um grande desperdício e talvez receita de insucesso ignorar aquele contexto riquíssimo. Queremos mostrar um Brasil moderno, sem estereótipos. Nossa ideia não era ter um grande restaurante brasileiro, mas ter um grande restaurante, notável por seus méritos, e que é brasileiro. Senão, vira um restaurante pitoresco. A cozinha brasileira não é notável só porque é exótica para o resto do mundo, mas porque temos ingredientes e técnicas de primeira linha e grandes profissionais.
Você gosta de convidar os amigos pra jantar na sua casa? Você quem vai para a cozinha? Para complementar, os amigos convidam você para jantar ou eles ficam com certo receio?
Sim, eu adoro, principalmente no sítio com o que produzimos por lá. Às vezes chamamos a família (que já é um evento) e, às vezes, amigos próximos. Eles também cozinham pra mim. Gosto de tudo o que é feito com amor, sem nenhuma pompa. Então, quando preparam aquela receita de família, me deixa muito feliz e o pessoal tranquilo também.