Entrevista: Ester Jacopetti
Introdução: Mariana Marçal
Fotos: Reprodução
Formada em Filosofia e Artes Cênicas, de etnia indígena, filha de Flor e Edir, Ecleidira Maria Fonseca Paes nasceu em casa no dia 30 de junho de 1969, no Pará. No entanto, a vontade mesmo era de ser engenheira – seguindo os passos de um dos sete irmãos. Mesmo com a vida simples e com as dificuldades financeiras, se formou no inglês ainda menina, o que foi valioso para despontar no cenário da arte internacional.
Simpática, divertida, simples e inteligente, uma grande curiosidade sobre sua carreira nos cinemas foi que estreou em uma produção norte-americana chamada “A floresta de esmeraldas” (1985). Dira tinha apenas 15 anos de idade e desbancou 500 candidatas.
Com uma condição financeira melhor por conta desse trabalho que abriu outras portas, em 1987, aos 18 anos, foi para o Rio de Janeiro investir na arte dramática.
Um bom início para quem, ao longo da trajetória, recebeu doze indicações para o prêmio Grande Otelo – vencendo como melhor atriz em 2013 – três kikitos no Festival de Gramado e outras premiações importantes que comprovam seu talento versátil.
É mãe de 2 filhos: Inácio Paes Baião e Martim Paes Baião. Os meninos são frutos do casamento com o fotógrafo Pablo Baião. A atriz teve uma gravidez de risco do primogênito e recorreu a tratamento para engravidar do segundo filho.
Interpretando Filó em Pantanal, sua personagem é a alma e o coração da novela e caminha lindamente entre uma menina que foi expulsa de casa aos 12 anos pela mãe, a uma mulher religiosa, apegada à sua fé.
Aliás, pelas nossas contas, Dira coleciona cerca de 80 personagens ao longo dessa trajetória. Não é à toa que ela transborda. Respeito máximo pela sua arte!
Dira, gostaríamos de entender um pouco sobre o processo de criação para os personagens que você interpreta. Você tem algum método peculiar? Acredita que seguir os próprios instintos pode ser um tiro no escuro ou não?
Quando vem um personagem novo, a gente sempre mergulha nele; o primeiro estudo é o universo do qual aquele personagem faz parte. Falando de Pantanal, o universo pantaneiro, este mundo dos peões e das fazendas isoladas, é um universo que já traz muitas cargas como a própria cultura, as particularidades, o sotaque, a maneira de se vestir, de usar o cabelo; tudo isso vai moldando o personagem e as informações da trama criam o caráter, uma personalidade. Primeiro eu entro em contato com este universo do personagem e depois deixo fluir de acordo com as relações humanas. O instinto também faz parte desta criação.
Em ‘Pantanal’ você interpreta Filó e terá ao lado Marcos Palmeiras, ator e amigo no qual vocês dividiram a cena em ‘Irmãos Coragem’ (1995). É mais fácil para o ator, pela intimidade que já se estabeleceu anteriormente, contracenar juntos? Você acredita que a cena flui melhor?
Sem dúvida nenhuma! O Marquinhos é um grande parceiro de vida e, ao longo desses anos todos, já fomos irmãos, colegas de trabalho e amantes. Tem sido um privilégio estar ao lado de uma pessoa que transborda paixão pelo trabalho, por esse universo, por esse Brasil rural e estou muito feliz e me sentindo muito privilegiada de estar ao lado, não só do Marquinhos, mas de todos esses atores incríveis que fazem Pantanal.
Uma das habilidades como ator é nunca julgar os personagens, mas, de que maneira esse conceito é aplicado na sua vida pessoal? Ou você acredita que esses elementos não se misturam?
Sem dúvida nenhuma julgar um personagem antes de buscá-lo, antes de entendê-lo, é você perder muitos pormenores que fazem toda a diferença na composição dele, porque a gente não faz uma composição só com os sins ou os nãos. Todas as características são fundamentais pra gente criar um contraponto. A Filó é uma mulher muito fiel àquela fazenda e a todos que estão em torno dela, mas também tem os seus segredos, e isso dá para o personagem dimensões muito maiores e melhores de trabalhar.
Muita coisa mudou desde sua estreia na televisão em 1985, na tecnologia e na linguagem. De que maneira você analisa os pontos positivos e negativos nessa nova forma de fazer teledramaturgia, levando histórias e dramas reais para a casa das pessoas?
A narrativa em si acaba sendo sempre a coluna vertebral de todo um trabalho. Mas, qual a narrativa de Pantanal? Qual a narrativa desta novela? A tecnologia trouxe realmente novas formas, novos ritmos de trabalho; a gente ganha por um lado e perde pelo outro. A velocidade e a quantidade de cenas que a gente faz mostra que o tempo encurtou, mas, ao mesmo tempo, os recursos são muitos. A sensibilidade da direção nos proporciona tranquilidade pra gente fazer o nosso trabalho.
Qual a sua opinião sobre se posicionar politicamente nas redes sociais. De que maneira a classe artística pode lutar contra o autoritarismo e o desmonte da cultura no país?
O histórico da classe artística sempre foi de luta, luta para que a cultura popular seja reconhecida como arte, luta pelos direitos dos artistas para aposentadoria, reconhecimento de como a arte é um setor fundamental do mercado do entretenimento. As políticas dos editais públicos, os incentivos fiscais, tudo isso faz parte da luta diária de um artista e as redes sociais se somam, tanto nas horas boas quanto nas horas difíceis, mas acabam sendo uma ferramenta muito importante para divulgação e para o conhecimento dos direitos dos artistas.
“O histórico da classe artística sempre foi de luta, luta para que a cultura popular seja reconhecida como arte, luta pelos direitos dos artistas para aposentadoria, reconhecimento de como a arte é um setor fundamento do mercado do entretenimento.”
Ontem você era filha e hoje você é mãe; quais foram as dificuldades que você enfrenta para cultivar a mente jovem dos seus filhos neste mundo cheio de desigualdades e preconceitos?
Eu vivo muito o agora; sou uma pessoa que quer estar conectada com o meu tempo, porque faz parte da minha profissão. Eu tenho filhos jovens e preciso estar conectada com o mundo que eles se relacionam; isso me deixa bem consciente em relação ao tempo. Eu não quero brigar com o tempo; eu quero o tempo como o meu aliado.
Dira, recentemente descobrimos um país polarizado, preconceituoso e machista entre outros problemas. Como é o Brasil no qual você gostaria que seus filhos, Inácio, de treze anos, e Martim, de cinco, crescessem?
Eu procuro mostrar para os meus filhos as diferenças dos privilegiados e dos não privilegiados, e de que forma eles podem ser mais úteis para o mundo; ensino-os a ver na felicidade dos outros a sua própria felicidade. A nossa realização e a nossa capacidade de ser feliz não diz respeito apenas ao nosso umbigo, mas diz respeito a tudo o que nos cerca e, às vezes, além do que nos cerca. Acho que esse é um dos segredos: pensar o mundo além das próprias fronteiras.
Eu procuro mostrar para os meus filhos as diferenças dos privilegiados e dos não privilegiados, e de que forma eles podem ser mais úteis para o mundo. A nossa realização e a nossa capacidade de ser feliz não diz respeito apenas ao nosso umbigo
Toda evolução pessoal acontece na base da troca e da experiência com outras pessoas. Neste período em que ficamos isolados, de que maneira você procurou evoluir como pessoa, já que essa troca ficou limitada?
Simplesmente o Brasil tem que conviver com essa polarização, uma polarização que foi, de certa maneira, alimentada por notícias que não eram verdadeiras. Uma polarização inventada para causar radicalismo tolo que não leva a lugar nenhum. O que a gente sabe hoje dessa estrutura de governo que a gente vem atravessando ao longo dos anos, é que ela não é uma estrutura voltada para os direitos humanos, os direitos do cidadão, mas voltada para um capital que oprime e provoca uma desigualdade ainda maior entre os seres humanos. Eu fico triste, mas temos uma eleição pela frente que irá nos fortalecer e, com certeza, nos trazer denovo uma consciência política para que a gente consiga conviver com respeito às diferenças.
A pandemia te ajudou a desacelerar e ter uma vida com mais equilíbrio e tranquilidade?
Esse período que eu fiquei isolada foi um período que me trouxe muitas reflexões e, a maior delas, foi valorizar o meu entorno, ter projetos construídos ao lado do meu marido – que é fotógrafo e também faz parte do mesmo universo que eu – e acabamos tendo também a felicidade de poder reconhecer entre nós a possibilidade de nos reinventarmos como casal, como pais, como filhos e como profissionais; entendermos o mundo pela ótica dos menos favorecidos foi a coisa mais importante que aconteceu durante a pandemia. Neste período surgiu um filme chamado ‘Pasárgada’, um projeto de cinema que estamos finalizando agora.
Entendermos o mundo pela ótica dos menos favorecidos foi a coisa mais importante que aconteceu durante a pandemia
Dira, além da novela, você está envolvida com algum outro projeto que será lançado em 2022?
Os meus projetos são: curadoria do Festival de Gramado, o lançamento de ‘Pureza’, um filme que será lançado agora em maio, e a novela é, sem dúvida nenhuma, o meu grande foco nos próximos meses.
Alguns papéis marcantes de Dira Paes!
Em 1990, Dira estreou em sua primeira novela na TV Globo como Nininha, uma jovem meiga e deslumbrada.
Irmãos Coragem: na segunda versão da trama, Dira deu vida à Potira, uma jovem índia apaixonada por Gerônimo.
Em Fina Estampa, a atriz causou polêmica ao interpretar Celeste, que sofria nas mãos do marido Baltazar, interpretado por Alexandre Nero.
Na série A Diarista, promoveu boas risadas na pele de Solineuza, amiga da protagonista Marinete, vivida por Cláudia Rodrigues.
Em 2 Filhos de Francisco, viveu um dos papeis mais marcantes: Dona Helena, mãe de Zezé di Camargo e Luciano.
Lucimar, em Salve Jorge, viveu dias de muita angústia como mãe de Morena (Nanda Costa) e moradora da comunidade Complexo do Alemão.
Em Velho Chico, na segunda fase da novela, a artista interpretou Beatriz.
A atriz viveu a cozinheira Janaína em Verão 90, trama de 2019.
A abusada Norminha mora até hoje em nossos corações. Caminho das Índias trouxe uma personagem com rebolado marcantes e decote audacioso.
Em Amores Roubados, Dira interpretou a infiel Celeste e protagonizou cenas quentes com Cauã Reymond.