“Querido estudante, antes de entrar na escola, você precisa entregar o seu pequeno mundo para nós.”

Por Adriana Rodrigues Xavier
adriana.xavier@egv.com.br

Após cerca de 10 minutos da foto ser postada nas redes sociais, Bia de 14 anos começa a ficar com o semblante tenso. As mãos frias e suadas se contorcem e a tia, percebendo o movimento questiona:

_ “O que foi querida?”

_ Sabe, aquela foto que eu tirei na praia? “- a menina responde com a voz trêmula e embargada.

”Sim, você estava linda naquele fundo do mar e céu azul! Por que, o que houve?” – indaga a tia, já preocupada.

“Acabei de postar nos meus Stories e ninguém curtiu ainda! Mas eu estava bonita, né? Por que ninguém curtiu? Vi que 5 pessoas visualizaram e ainda ninguém deu “like”. – Com algumas lágrimas presas nos olhos, a jovenzinha continua o diálogo com a tia.

Eu me lembro que na minha época, nessa mesma idade de 14 anos, tínhamos o costume de enviar cartões de Natal aos amigos no final do ano. Eu ficava na janela, esperando a hora em que o carteiro iria passar e quando ele parava no meu portão e enfiava as mãos na grande sacola, ficava ansiosa esperando que retirasse de lá os envelopes, por vezes coloridos, com carinho escritos por meus amigos em retribuição àqueles que enviei.

Eu descia as escadas correndo e, muitas vezes, em meio às cartas aos meus pais, com os logotipos de empresas, bancos e contas, lá estavam eles, dois ou três cartões escritos com letras conhecidas que via
nos cadernos dos meus colegas em sala de aula. Que sensação de alívio, alegria, reciprocidade, pertencimento, aceitação…

Que adolescência teria sido vivida em sua plenitude, caso não houvesse esse sentimento de espera, a doce espera… Mas, para Bia não tem sido assim.

A exposição e a ininterrupta espera pelos retornos é maior, constante, dolorida e vai além dos limites. Então, nos perguntamos se vale a pena que nossos meninos e meninas tenham esses aparelhos em mãos em meio às redes sociais das mais diversas, com multilinguagens, vídeos, “memes”, músicas e as famosas “dancinhas”.

É uma opção da família que dialoga e decide, mas muitas vezes, contrair essa inserção virtual é de alguma forma, participar, ainda que em uma condição apenas de espectador, de uma gigantesca sala de audiência da vida.

Nossos jovens circulam com seus celulares em qualquer lugar e estão sempre conectados, inclusive no ambiente da escola, ou pelo menos essa era a realidade.

Contudo, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou no início do ano, a Lei 15.100/25, que proíbe alunos de usarem telefone celular e outros aparelhos eletrônicos portáteis em escolas públicas e particulares, inclusive no recreio e intervalo entre as aulas. Argumentos não faltam para defender essa sanção!

Os aparelhos distraem os estudantes durante as aprendizagens e acabam prejudicando a comunicação com seus pares, as conversas, as conexões presenciais. Em casa, pais e mães refletem e também estabelecem suas regras de tempo e exposição a este ou aquele aplicativo, procurando encontrar uma maneira de manejar essa utilização.

Na instituição em que trabalho, desde 2023, antes da lei ser efetivamente aprovada, ao chegarem em seus períodos, por decisão interna da escola, as crianças já depositavam seus aparelhos em uma caixinha de cada turma, e os retiravam apenas na hora da saída.

Quando eu chegava à tarde, os adolescentes já tinham “seus pequenos mundos particulares” em suas
mãos e, enquanto interagiam com os colegas, acabavam dando uma olhadela, enquanto deslizavam os dedos nas suas telas, repletas de conteúdos dos mais variados, como se houvesse um tempo suspenso no ar que deveria ser preenchido em meio a essa colcha de retalhos da comunicação.

Mas, assim como iniciamos esse artigo com o título que faz um convite bem perturbador, o desafio de pedir aos meninos e meninas que entreguem os seus mundos que mais representam rotas de fuga inconscientes da realidade, não é uma tarefa fácil.

Tudo é muito rápido; ao recorrerem às telas para se alimentarem, recebem doses de dopamina, acessam esse conforto passivo e, ao mesmo tempo, quando cutucados pelo amigo no mundo “físico”, retomam suas interações.

Ainda falaremos muito nisso, é uma pauta crucial e sobre a qual especialistas têm se debruçado para encontrar soluções. A proibição, ao meu ver, é o que deve ser feito e se deu porque a orientação não foi suficiente, mas não basta só proibir. Esses jovens já sofrem com essa dependência digital e poderão contrair uma espécie de síndrome de abstinência em meio a essa ruptura, que pode ser compensada aqui ou ali, inclusive porque muitos estão em tempo integral nas escolas.

Como mãe e educadora, agora é hora de rever os projetos afetivos-sociais das escolas, olhar para esses meninos e meninas, propor situações em que de fato, eles possam se reconectar à luz de uma condução assertiva de profissionais, parceiros que pensem e repensem com eles esse cenário.

O corpo sempre é um aliado do processo, o diálogo, o caminhar junto, a reflexão, o despertar ou o resgate de interesses. Professores, coordenadores, gestores e a própria família, devem se unir para criar um protocolo nesse sentido, com adoção de projetos sérios e assíduos em que TODOS possam ser ouvidos, contemplados em suas necessidades, percebidos. Precisamos ensinar essa geração a olhar para o mundo, propor engajamento!

Existe muito potencial e força inertes, subestimadas, que direcionadas podem fazer uma verdadeira revolução! Temos essa missão aqui e agora! Para ampliar ainda mais a reflexão, proponho essa literatura mais densa, mas muito esclarecedora e que tem o objetivo de servir como uma fonte de informação importante para que todos nós, educadores ou não, possamos nos aproximar mais da compreensão de todo esse cenário.

Organizado pelos especialistas:

Dr. Cristiano Nabuco, Psicólogo com Doutorado em Psicologia Clínica pela Universidade do Minho – Portugal e Pós-Doutorado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Fundou uma unidade pioneira na América Latina para o atendimento de pacientes Dependentes em Tecnologia.

Dra Kimberly Young (9 de setembro de 1965 – 28 de fevereiro de 2019) foi uma psicóloga e especialista em transtorno de dependência da Internet e comportamento online. Ela fundou o Center for Internet Addiction em 1995, enquanto era professora de psicologia na Universidade de Pittsburgh em Bradford . Até sua morte em 2019, Young foi professora de administração na St. Bonaventure University. Young foi membro da American Psychological Association , da Pennsylvania Psychologic Association e membro
fundador da International Society of Mental Health Online. Aos 53 anos, Young morreu de câncer em 28 de fevereiro de 2019. [ 7 ]

Outra dica é a leitura do filósofo Byung – Chul Han em um de seus livros que reflete sobre o assunto: A sociedade paliativa é uma sociedade do curtir. Ela degenera em uma mania de curtição. O like é o signo, o analgésico do presente. Ele domina não apenas as mídias sociais, mas todas as esferas da cultura. Nada deve provocar dor. Não apenas a arte, mas também a própria vida tem de ser instagramável; ou seja, livre de ângulos e cantos, de conflitos e contradições que poderiam provocar dor. Esquece-se que a dor purifica. Falta, à cultura da curtição, a possibilidade da catarse. (Trecho da obra)

Mais notícias

Você viu tudo

Não há posts

Abrir Chat
Precisa de Ajuda?
Como podemos ajudar?