“Olhe para cima e veja as copas floridas das árvores!”

Crônica de Adriana Rodrigues Xavier

Geralmente, quando escrevo, me lanço diretamente ao texto e por fim, penso no título, mas desta vez fiz o inverso! O topo estava pronto, assim como as estrelas
cobrem o firmamento e o orvalho ocupa as folhas nas manhãs de inverno, as primeiras palavras adornavam meu coração de tal forma a produzir um encantamento urgente e exponencial de ideias, verdades, convicções!

Assim aconteceu que, em um fim de tarde agradável de outono, com o sol já de pantufas se recolhendo aos seus aposentos e um doce vento frio, caminhávamos,
meus alunos, minha companheira querida de trabalho, Rita, e meus caros estudantes do 1o ano, rumo a nossa sala de aula, quando uma menina segurou em meu braço e me paralisou. Ela disse: “Adri, olha pra cima, olha pra cima!”

Meu pensamento estava com os pés no chão, no relógio, no tempo que tínhamos para organizar os materiais e aguardarmos as famílias na hora da saída, mas parei para atender aqueles olhos verdes, risonhos e aquela voz gutural que chamava a minha atenção. Olhe para o céu, procurei por aviões ou saguis pelo muro da escola, mas ela continuava apontando e, desta vez, do alto da sua força de menina de 7 anos a tentar mover uma mulher de 50, me puxou para que eu olhasse a partir do ângulo certo, então eu vi!

Eu olhei por meio dos seus olhos e enxerguei um espetáculo que nunca havia visto, mesmo passando naquele lugar, naquela calçada, todos os dias por felizes anos, desde 2017. A copa de uma das árvores tão carregada de lindas flores. Os
colegas se juntaram a ela e também olharam…todos nós brindamos aquele momento juntos. Contemplamos, calamos, rimos e seguimos…Eu, embevecida pela poesia daquele instante e as crianças pulando, catando sementes no chão e se escondendo nos troncos das árvores para enganar uns aos outros.

Me senti um pouco como Diego, filho de SANTIAGO KOVADLOFF, que no célebre texto de Eduardo Galeano diz diante da imensidão do mar: “Pai, me ajuda a olhar?”

Desta vez era eu que precisava de ajuda para enxergar aquele mistério. E assim, fui
tomada por um sentimento de fragilidade e empoderamento. Senti-me frágil e pequena diante da grandeza daquele olhar da infância, que apesar de ter visto algo extraordinário, tem coragem de seguir firme os caminhos porque ela está tão próxima da beleza de modo a fazer parte daquilo. E onde estava meu olhar de educadora, de mulher experiente, não seria minha a função de mostrar aos pequenos o mundo? Mas não foi assim desta vez…

Ao mesmo tempo, senti-me empoderada por estar com eles ao meu lado, ter o privilégio de ser escoltada por tão sábias mentes, pertencentes ao que há de melhor do mundo. Sim!

Carrego a infância comigo e me reabasteço todas as tardes. Do jeito simples e
engrandecido de olhar, de estar, de ocupar… Lutar bravamente por uma miçanga brilhante perdida no chão, vibrar com uma novidade a ponto de gritar e pular! O corpo em seu estado de repouso da vida não comporta as emoções! Para a
infância há de ser maior, compor a existência…

Engraçado que aquele ponto de vista que nos leva a olhar para cima, que persegue a beleza, tem a mesma intensidade dos joelhos no chão e as mãos a procurar por conchinhas na areia ou pedrinhas pela calçada. As miudezas e as grandezas têm parentesco nas lembranças e na curadoria da alma das crianças.

Os valores da boneca e da grande caixa de papelão também parecem andar de mãos dadas, pois com a segunda, se constrói a casa, se desmembra em pedaços para servir de escorrega no barranco. Algo sobre o prazer, a entrega, as importâncias e desimportâncias!

Por tudo e por tanto, olhemos para cima! Procuremos as virtudes nas coisas ínfimas e imensas, não por serem pequenas ou grandes, mas por necessitarem de um olhar que nos faz mudar a perspectiva comum!

Termino minha reflexão com essa poesia do querido Manoel de Barros e deixo como dica, o Livro dos Abraços, de Eduardo Galeano, mencionado no texto!

“Uso a palavra para compor meus
silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:”

Por Adriana Rodrigues Xavier
[email protected]

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