Essas falas foram captadas em uma sala de aula composta por estudantes entre 5 e 6 anos, apenas em um dia, em meio a tantas narrativas, solicitações, queixas e expressões de carinho e empatia.
As crianças, desde que nascem, imersas em seus ambientes, na família, passando pela escola e expostas a diversas situações sociais, contraem todo tipo de repertório para se posicionar por meio de palavras ou atos, diante da vida.
Há algumas décadas essas falas ficaram mais silenciadas ou subestimadas, pois a escuta e o tratamento delas, ofertado pelos adultos de referência e pela sociedade de uma maneira geral, não eram proporcionais às suas relevâncias, dos pontos de vista cultural, estético, social e até antropológico.“Ah, isso é coisa de criança”.“Ah , criança fala cada uma…”. Posicionamentos dessa natureza ecoavam nos espaços alheios à reflexão para acolher as tão ricas narrativas trazidas pelos pequenos.
Até as animações dos cartoons eram povoadas com aquele humor, muitas vezes violento e politicamente incorreto. Em nossa cultura, encontramos cantigas que incitam a agressão física e verbal, além de conterem conteúdos racistas e preconceituosos.
Há uma vastidão de inadequações que, atualmente, temos reavaliado. Educadores e famílias estão presentes nesse debate. As leis da educação também reforçam essa importância com orientações firmes no tocante a garantir que temas como a ética e o respeito transversalizem em meio as demais áreas do conhecimento.
Já existe nas famílias e na escola, um debruçar mais ousado nesse sentido, com adultos sugerindo interlocuções à luz de todo esse rico material, que reproduz gerações de posicionamentos escassos e equivocados aos mais variados enredos do cotidiano e da nossa história.
Os sedimentos dessa trajetória estão calcados nas relações e merecem os contornos adequados para que, aos poucos, anos ou décadas à frente, vejamos os resultados das intervenções assertivas nesse sentido.
Contudo, há que se encontrar um lugar seguro e equilibrado para essa ação, pois caímos no engano de aplicar sanções e censuras tão injustas e descontextualizadas quanto a própria atitude supostamente equivocada que queremos sanar
Então, como podemos fazer para que nossos pequenos preservem suas narrativas, guardando-as do preconceito e das fobias construídas historicamente pela sociedade?
A sociedade que viveu a vida ao seu bel prazer de maltratar, discriminar, ofender, injuriar,violentar com as piadas sobre a mulher, os homossexuais, os negros, portugueses, carecas, gordos, deficientes e quaisquer outros?
A mesma humanidade que normalizou tudo isso deverá agora cuidar e curar essa ferida que a cada geração dói mais e produz efeitos catastróficos. Essa é a minha reflexão, mas trata-se de uma postura com caráter filosófico, ideológico, uma visão de mundo, como diz Lulu Santos: “de gente fina, elegante e sincera…”. Nas escolas que abrem o espaço para essa conversa, já existem programas e projetos com os objetivos de cuidar dos nossos meninos e meninas, oferecendo repertório para que haja mudança de atitudes nesse sentido, contextualizando e trazendo novas formas de resolver conflitos e intolerâncias. A força de defesa diante do bullying, a renovação do material didático, com maior representatividade das minorias e as intervenções pontuais dos educadores, têm feito a diferença.
Em casa também é possível, com conversas, acolhimento e exposição a um repertório cultural consistente dos pontos de vista da ética e da beleza.Para tanto, a aprendizagem e o exercício de uma comunicação não violenta pode e muito revolucionar o funcionamento de nossas instituições, promovendo pareceres mais empáticos e repletos de autocompaixão. Pode soar como utopia, mas sim, podemos tecer essa realidade com os corações inspirados e esperançosos, eu diria que diante dessa realidade, é a opção mais segura!
Vamos tornar nossa vida mais leve!
Novamente me valho das palavras do roqueiro Lulu Santos com a canção Tempos Modernos:
“Eu vejo a vida mais clara e farta // Repleta de toda satisfação // Que se tem direito // Do firmamento ao chão
”É simples, é potente, é urgente!
Deixo uma literatura para ampliar esse pensamento:“Vivendo a comunicação não violenta” de Marshall Rosenberg.
Por Adriana Rodrigues Xavier
adriana.xavier@egv.com.br
