Como se fosse a primeira vez

Educar

Tem um filme, com cara de sessão da tarde, que adoro. Sabe aquelas comédias românticas leves que, de vez em quando, paramos em frente a tela para dar uma olhada? Quem nunca, não é mesmo? Pois é… Nem tenho tido tanto tempo para esse desfrute do ócio em todos os sentidos, mas, sem nenhum julgamento, queria falar sobre um deles que me chamou muito a atenção nesse tempo que estamos vivendo. Ele se chama “Como se fosse a primeira vez”, estrelado por Adam Sandler e Drew Barrymore. Vocês já viram? Conta a história de uma moça que sofre perda de memória recente devido a um acidente; assim, seu amado deve conquistá-la todos os dias, pois ao acordar ela se esquece de quem ele é e do que representa para ela. Fiquei pensando e sabia que o meu interesse não era só no filme, mas havia uma ponte sendo construída diretamente até a minha alma que me calou fundo e, então, depois desse mergulho catártico, enfim, descobri o que tanto tinha de mim naquela película.

Depois de mais de vinte anos como professora, ano após ano recebendo e despedindo-me de tantas turmas, crianças e famílias queridas que estarão marcadas para sempre dentro de mim, me vi reduzida a zero; me vi recém-saída do magistério, em 1988, com meu avental branco, cheia de sonhos, expectativas, mas com pouco a oferecer. Talvez um tanto insegura, pequena; eu era uma janelinha no computador tentando falar, tentando ser eu mesma.

Sei que esse 2020 que se finda, esse lugar estreito e pedregoso pelo qual passamos, nos trouxe muitos dissabores. Levou com ele vidas e nos colocou diante de situações muito desafiadoras nos diversos aspectos de nossa existência. Isso não foi diferente para nós, educadores, nós que respiramos a escola, com seus corredores, carteiras, paredes em que estão plasmadas as vozes, as risadas, os choros, a gritaria de um tempo que ficou suspenso dentro de nós, que nos fez repensar quem somos.

Depois de, dia após dia, respirar fundo e tomar um copo de água gelada antes de entrar naquele temido link recorrente do zoom, com as mãos suadas e o coração acelerado, percebi que eu tinha que partir para a reconquista. Reconquista daquele lugar, de tudo o que eu vivi, das vidas que eu encontrei, das histórias que escrevi, e é claro, daquelas janelinhas que todos os dias se abriam para mim, ao meu lado, naquela colcha de retalhos na tela, feita de tantas outras histórias, contextos, cenários, risos, quietudes, bocejos e semblantes um tanto indiferentes.

Percebi, então, que deveria ser como no filme; tinha que ser “Como se fosse a primeira vez”, conduzindo aquela criança, aquela família, reconquistando aquele aluno, ressignificando a minha presença e o que eu poderia oferecer a ele. Então, descobri que escutar era o mesmo que abraçar, que dar risada era como correr no pátio, que contar história era fazer cafuné na cabecinha e que dançar em frente à tela era como escorregar no barranco. Assim, uma nova centelha de esperança foi sendo construída dentro de mim e senti que o que de mais genuíno veio a tona, se desprendeu e tomou forma. Que sentimento libertador nos redescobrir.

Começamos a nutrir essa esperança, a investir nessa reconquista, nesse recomeço.

Pois é, mas os desafios não param por aí; as crianças agora estão aos poucos voltando às aulas presenciais e, denovo, aquele sentimento de contenção, de limitação aparece. Agora, sabemos que vamos reconquistar a cada dia, a cada dificuldade, porque o que importa não está mascarado, nem foi aniquilado com o álcool gel, mas resiste e persiste em nós. Assim, descobrimos que, onde houver conflito também vai imperar o acolhimento, onde habitar a insegurança, também sobreviverá a fé. Boas memórias vão ficar.

Sigamos confiantes!

Adriana Xavier – Pedagoga e Psicopedagoga

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