Uma das coisas que mais gosto nestes dez anos de equipe é ver uma aluna se tornar maratonista. Não somente pela conquista dos 42.195m, considerada a distância mais nobre do atletismo, mas, principalmente, pela coragem em arriscar.
A busca pela maratona engloba treinos exaustivos, disciplina na alimentação, muitas vezes ausência dos eventos familiares e até de vida social e, principalmente, o estar disposto para dores musculares e até cansaço mental. Talvez quem não corra não entenda bem o motivo, o que é super compreensivo; e, de verdade, a resposta só terá quem cruzar a linha de chegada.
Silvia chegou na equipe já corredora; começou a correr para fugir do sedentarismo e tentar diminuir as medicações para depressão, mas, a corrida e Silvia foram além. As medicações foram trocadas por géis de carboidratos e cápsulas de sal (suplementos comuns em atletas de endurance) e o sofá por uma esteira em casa. Tiveram neste caminho também lesões, medos e incertezas, mas ela nunca deixou de sonhar em completar sua maratona.
Em 2020, após uma lesão que a tirou das corridas, Silvia retomou a equipe. Focada como nunca, seguiu à risca todos os treinos (fortalecimento específico e corrida) e, mesmo com a pandemia, não desistiu. Treinávamos duro pelas pirambas da Granja e continuávamos firmes no propósito, mesmo sem provas à vista, até a descoberta de um câncer na mama.
Lembro a forma leve como ela me contou e tratou a doença, com a certeza de que, em breve, retornaria. E assim foi muito mais rápido do que eu imaginaria. Ela realizou algumas cirurgias, alguns tratamentos e voltou mais forte como nunca. Ali eu tive a certeza de que nada mais a pararia.
Tive a honra de treiná-la para a Maratona de Valência em 2022 e esperá-la na chegada, com direito a salto e um grito avassalador, imagino o que aquilo representava para ela.
Que momento!
Silvia sempre colocou seu sonho a frente de qualquer dificuldade e descobriu na corrida um momento só dela e um lugar onde se desafia e se reconhece.
Voltaire disse que os sonhos e a esperança nos foram dados como compensação às dificuldades da vida. Mas precisamos compreender que os sonhos não são desejos superficiais. Os sonhos são bússolas do coração, são projetos de vida. Os desejos não suportam o calor das dificuldades. Os sonhos resistem às mais altas temperaturas dos problemas. Renovam a esperança quando o mundo desaba sobre nós.