Quando olhamos para a criança de hoje — protegida por leis, celebrada e, muitas vezes, o centro da família – é fácil acreditar que a infância sempre foi um período sagrado. No entanto, tanto a criança quanto o conceito de infância no transcorrer da história percorrem múltiplos caminhos de invisibilidade, de luta e, finalmente, de um despertar tardio para o cuidado. Entender essa evolução é a chave para compreendermos por que a proteção da infância é uma preocupação tão urgente em nossa era.
Nas civilizações antigas, como a grega e a romana, a infância, tal como a conhecemos, era praticamente inexistente. A criança era vista como um “adulto em miniatura” e, em muitos casos, como uma propriedade. O foco estava na utilidade: meninos eram treinados para a guerra ou para o ofício da família, enquanto as meninas eram preparadas para o casamento. A vida era curta e brutal e a alta mortalidade infantil impedia o desenvolvimento de laços afetivos profundos com os pais, que temiam o luto.
No Egito Antigo, embora houvesse maior afeto e rituais de passagem, a criança também era vista sob uma ótica de utilidade e continuidade da linhagem. O cuidado era pragmático, voltado para a sobrevivência em um mundo hostil.

Durante a Idade Média, o conceito de infância continuou nebuloso. Philipe Ariés, historiador e medievalista nos conta que as crianças de famílias nobres eram entregues a amas de leite e, mais tarde, a tutores para a sua educação prática. Nas classes mais pobres, o trabalho começava cedo. Aos sete anos de idade, uma criança já era considerada um pequeno adulto e, frequentemente, trabalhava nas mesmas condições dos mais velhos. A arte da época reflete essa visão: as crianças são retratadas com feições e proporções de adultos. A indiferença emocional em relação a elas era a norma.
No Renascimento, a arte começou a retratar a criança com traços mais infantis, mas a mentalidade de utilidade ainda prevalecia. O valor estava no potencial da criança de se tornar um adulto produtivo.
O grande ponto de virada veio com o Iluminismo, no século XVIII. Filósofos como Jean-Jacques Rousseau introduziram a ideia revolucionária de que a criança nasce inocente e que a sociedade a corrompe. Rousseau defendia que a infância era uma fase única e crucial, que deveria ser protegida para que a criança pudesse se desenvolver de forma natural.
Este novo olhar, aliado à diminuição da mortalidade infantil, permitiu que os pais pudessem, finalmente, investir emocionalmente em seus filhos. A família nuclear começou a se formar, e a criança passou a ocupar um lugar central.
No século XIX, com a Revolução Industrial, o trabalho infantil em fábricas se tornou uma realidade cruel. O choque com essa exploração impulsionou a criação de leis de proteção, marcando o início da preocupação social e legal com a infância.
A Criança Adulta e as Preocupações do Século XXI
Hoje, a infância é reconhecida como um período fundamental para o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional. No entanto, em nossa era de hiperconexão, a criança enfrenta um novo e sutil desafio: a adultização.
A adultização é o processo pelo qual a criança é exposta a conteúdos, responsabilidades e pressões típicas do mundo adulto. Ela se manifesta de várias formas:
- Exposição excessiva a tecnologias e redes sociais, que impõem padrões de beleza e comportamento inatingíveis
- Consumismo precoce, transformando a criança em um alvo de mercado
- Pressão por desempenho em esportes e atividades extracurriculares, que roubam o tempo do brincar livre e criativo
- Exposição a dramas e conflitos adultos sem o devido filtro e proteção
Essa “adultização” rouba da criança a oportunidade de simplesmente ser criança. Ela nega a necessidade do brincar, da imaginação e da liberdade para errar e aprender no seu próprio ritmo.
A jornada da criança, de propriedade a protagonista, não foi linear. Ela nos ensina que o cuidado com a infância não é uma conquista histórica. A preocupação de hoje com a adultização é, na verdade, um novo capítulo na luta para garantir que a criança seja vista e valorizada em sua essência, e não como um adulto em miniatura , um projeto ou uma propriedade.
Proteger a infância hoje significa, mais do que nunca, dar à criança o direito de ser, de brincar e de crescer sem pressa, respeitando seu tempo e sua fase. É a nossa responsabilidade garantir que a história da criança invisível não se repita.
Eliana Tessitore é Consteladora Familiar, Novas Constelações, Fisioterapeuta | RPG, Terapeuta Integrativa e Mestre em Enfermagem Psiquiátrica.
Atende em SP e Granja Viana: @eliana.tessitore
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