RESERVA AMEAÇADA: Qual será o futuro da Reserva do Morro Grande?

Foto destaque: Lucas Rodrigues Abibe

Falar de Cotia é falar de uma cidade gigante.
Não se passa pela nossa cabeça que ela possui mais de 200 bairros, distribuídos em 324 km², sendo que ⅓ dela equivale a Reserva do Morro Grande, mata atlântica responsável pelo nosso ar puro e pela água que chega em nossas torneiras. 

A Reserva foi criada em 1979, já como uma unidade de conservação e posteriormente tombada pelo Patrimônio Histórico Cultural.  Em 2012, o então vereador e ambientalista  Dr. Laércio Camargo, junto com a Prefeitura de Cotia, iniciou a discussão para a Criação do Pólo de Ecoturismo que corria na contramão de outras ações apresentadas por empresários especuladores, que previam a criação de um campo de golfe e atividades aquáticas na Represa.

O projeto chegou a ser apresentado para a Sabesp, que é a mantenedora do espaço, mas, por interesses políticos, nunca foi adiante. “Conheço todos os rios, todas as nascentes; fiz um projeto completo, que previa inclusão social para ajudar as famílias que viviam no entorno da Reserva, construção de pousadas a quatro quilômetros da Reserva, que respeitassem à risca o meio ambiente, construção de equipamentos sociais nos bairros que a circundam e um projeto de preservação que começaria no seu entorno”, explica Dr. Laércio, que completa, “Quando falo do entorno da Reserva, é o limite que eu faço pra cidade não chegar até lá, protegendo suas espécies, fauna e toda forma de vida”. 

 “Fiz um projeto completo, que previa inclusão social para ajudar as famílias que viviam no entorno da Reserva, construção de pousadas a quatro quilômetros da Reserva, que respeitassem à risca o meio ambiente, construção de equipamentos sociais nos bairros que a circundam e um projeto de preservação que começaria no seu entorno” Dr. Laércio Camargo

 Laércio Leite de Camargo é de família tradicional e fundadora da cidade de Cotia; nasceu no bairro do Morra Grande, em Cotia, onde despertou o espírito de preservação com o meio ambiente. Sua família morava em uma das casinhas do DAE (Departamento de Água e Esgoto), da Sabesp

Atualmente, a Reserva Florestal do Morro Grande é uma Área Protegida que não permite a visitação de pessoas. É assim desde a sua criação, com a Lei 1.949, de 04 de Abril de 1979

Vila do DAE e sua demolição: conjunto habitacional construído entre 1910 e 1930 para abrigar trabalhadores da Estação de Tratamento de Água do Alto Cotia. É considerada um marco do patrimônio industrial e operário paulista. Contava com 52 casas, igreja, clube social, escola e espaços coletivos.
No dia 09/05 deste ano, a Sabesp iniciou a demolição de casas nessa antiga Vila. Em um dia, uma retroescavadeira conseguiu derrubar dez casas e destruir o encanamento existente. O Conselho Nacional de Defesa do Cidadão, o Condec, que atua principalmente em defesa de direitos sociais, entrou com uma representação no Ministério Público, imediatamente aceita. Representantes da Sabesp alegaram que outras casas não iriam ser demolidas, que a função social dos imóveis que foram derrubados estava distorcida e  que já estavam em ruínas. No entanto, moradores que compraram as casas da própria Sabesp alegaram que estavam sendo tratados com truculência por parte de funcionários da Sabesp. 

Projeto Nova Raposo e os impactos na Reserva do Morro Grande
O ambientalista Rodolfo Almeida, representante da SEAE
– Sociedade Ecológica Amigos do Embu, explica que o projeto do Governo do Estado não mostra a integralidade da proposta do Nova Raposo. “Não somos contra as obras pelo trânsito da Raposo, mas é importante mencionar que ele não está propondo somente alargar a Rodovia ou colocar pedágio, e sim criar uma nova Rodovia de quatro pistas que passará pela Reserva do Morro Grande; isso sem discussão e análise dos impactos que essa obra poderá causar”, explica Rodolfo, que afirma que a tendência será congestionar o trecho da nova Rodovia que faz essa ligação, já que ele vai interligar duas rodovias que naturalmente já são congestionadas.  “É um projeto que tem patrocínio dos políticos de Embu”, finaliza. Rodolfo afirma que áreas de mata seriam devastadas para a construção do projeto e afetariam a vida em 11 municípios.

“Não somos contra as obras pelo trânsito da Raposo, mas é importante mencionar que ele não está propondo somente alargar a Rodovia ou colocar pedágio, e sim criar uma nova Rodovia de quatro pistas que passará pela Reserva do Morro Grande”, Rodolfo Almeida

O ambientalista alerta também para a exploração da Reserva e uma estrada for aberta. Segundo ele, com a obra chegam os comércios irregulares e a exploração imobiliária. 

“Os impactos ambientais desse trecho seriam devastadores para cidades como Cotia, Embu das Artes e Itapecerica da Serra, com milhares de metros quadrados de mata a serem derrubados, centenas de cursos de água afetados e diversos corredores de fauna interrompidos. Essas áreas são importantes mananciais da Guarapiranga e do baixo Cotia, responsáveis por fornecer água para milhares de pessoas diariamente”, disse a SEAE.

Transformar a Reserva do Morro Grande em Parque Estadual. O que isso representa?
O deputado Eduardo Suplicy (PT)
protocolou no início de julho o Projeto de Lei 666 na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) que prevê a criação de um parque estadual onde está localizada a Reserva Florestal do Morro Grande, em Cotia. A proposta segue em tramitação.

Segundo o texto, a criação do parque tem como objetivo conciliar a proteção integral da flora, fauna, recursos hídricos e atributos paisagísticos com a promoção de ações educacionais, científicas, recreativas e de turismo ecológico. 
Suplicy explicou que a ideia para criação do projeto partiu de diversas entidades mobilizadas pela preservação da área e que está abrindo diálogo com o Governo do Estado para que o parque seja efetivado.

Desde 2022, um grupo de moradores do entorno da Reserva Florestal do Morro Grande, pesquisadores, cientistas, jornalistas e ambientalistas têm atuado para o reconhecimento do Parque Estadual do Morro Grande

De acordo com o geógrafo Marcos Ummus, “A partir da recategorização, o Parque Estadual estará protegido pela lei das Unidades de Conservação de Proteção Integral, ganhando um Plano de Manejo, uma Zona de Amortecimento e um Conselho Gestor. Estes instrumentos possibilitam a proteção de áreas mais importantes para a conservação da natureza, impedindo visitantes e possibilitam destinar outras áreas à educação ambiental e ao turismo ecológico, garantindo a longevidade, a regulação do uso e a proteção de toda a área do futuro Parque”, disse à nossa equipe.
Segundo ele, a Reserva Florestal do Morro Grande deveria ter sido recategorizada no ano de 2008. 


A geógrafa Helga Grigorowitschs destaca que o enquadramento na categoria “Parque” não significa que qualquer tipo de atividade turística ou recreativa poderá ser realizada na área. As atividades permitidas deverão ser de baixo impacto ambiental, de forma coerente com a proteção integral da Unidade de Conservação.

Marcos Ummus listou os problemas que existem na Reserva hoje e que precisam ser resolvidos: 

  • caçadores: são criminosos que matam indivíduos da fauna silvestre e invadem a atual Reserva para cometer esses crimes;
  • esportes motorizados: jipes e motos praticam atividades dentro da reserva e em seu entorno próximo, levando poluição atmosférica e sonora, afugentando a avifauna e diminuindo seu espaço vital;
  • ciclismo: por conta da falta de regulação do uso da Reserva, os ciclistas aproveitam as trilhas já abertas, causando seu alargamento – esse processo acentua os efeitos de borda, enfraquecendo a floresta, o que acarreta na queda de árvores durante as ventanias;
  • criação de abelhas: apicultores de abelhas nativas tem instalado colméias dentro da Reserva, causando desequilíbrio ecológico – prática que também é crime em Unidades de Conservação;
  • captura de fauna para venda: é o conhecido tráfico de animais silvestres; há relatos dessa prática e inúmeros casos de armadilhas encontradas;
  • observação de pássaros: a atividade em si pode ser benéfica para o meio ambiente, mas realizada de maneira desregulamentada tem ocasionado a redistribuição de fauna e ampliação do número de trilhas;
  • uso recreativo das represas para natação: prática que deveria ser proibida, ao longo dos anos há muitos casos de óbitos;
  • desmatamento, invasão e construção: a pressão imobiliária chegou às bordas da Reserva Florestal do Morro Grande – à 600 metros da Estação de Tratamento há a abertura de uma rua e construções de casas dentro do limite da área tombada pelo CONDEPHAAT e, no bairro do Caputera (leste da Reserva), também há registro de crime, nesse caso combatido pelo Ministério Público e por uma força-tarefa;
  • ocupação desordenada do entorno da Reserva, o que pode e deve ser controlado por um Plano Diretor Municipal que reconheça e proteja esse entorno.

“Em tempos de extremos climáticos é uma catástrofe ambiental. Milhares de pessoas da região sofrerão as consequências, menos água na torneira, clima mais quente, tempestades mais intensas, ventos sem precedentes. Sem as minhas árvores centenárias, não tem compensação ambiental que devolva o que eu posso oferecer por conta dos meus milhares de anos de vida”. Trecho do vídeo sobre o pedido de socorro da Reserva. Clique aqui e assista.

Aconteceu um abraço coletivo no Patrimônio da Vila do DAE, que começou a ser demolido pela Sabesp. Representantes da comunidade local, do poder público municipal, educadores, agentes culturais e 12 associações socioambientais – além do prefeito Welington Formiga, participaram do encontro que pede o tombamento da área pelo poder municipal.

Colaborou com essa matéria, a jornalista, fotógrafa e ativista Ana Alcantara

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