Por: Ester Jacopetti
Introdução: Mariana Marçal
Imagens: Globo/Manoella Mello
Lilia Cabral é aquela atriz que sabe exatamente como se conectar com o público. Estreou no teatro em 1978 e, apesar da sua longa carreira (esteve presente em algumas das novelas mais marcantes da história da TV Globo, como Anjo Mau, Tieta e Vale Tudo), sua primeira protagonista veio somente aos 50 anos, com a inesquecível personagem Griselda, ou Pereirão, da novela Fina Estampa.
Nascida no coração de São Paulo, paulistana do bairro da Lapa, Lilia cresceu em uma família de imigrantes de classe média, com um pai italiano bastante rigoroso, o Sr Gino; ela fez faculdade de artes cênicas enquanto o pai achava que estava no curso de jornalismo, afinal, na época ela não poderia nem cogitar a ideia de ser atriz diante de uma educação tão severa, porém, já tão apaixonada pelos palcos. Então, o teatro a encorajou e Lilia foi para o Rio viver o encanto da cidade maravilhosa com todas as suas possibilidades.
Casada com Iwan Figueiredo, é mãe da filha única Giulia e tem duas enteadas. Hoje, aos 67 anos está brilhando como a vilã Maristela na trama global Garota do Momento.
Embora Marta, de Páginas da Vida, seja lembrada por muitos como uma vilã, você não a enxerga dessa forma. Em relação à Maristela, em “Garota do Momento”, como você a classificaria, e quais aspectos de sua personalidade acredita que mais chamarão a atenção do público?
A Marta não era exatamente uma vilã. Ela era uma personagem extremamente amargurada, sofrida e cheia de inveja. Esse era o grande problema dela: vivia focada no que os outros tinham, em vez de olhar para o que podia fazer por si mesma. Além disso, tinha um marido que ela chamava de “banana”, um verdadeiro encosto que não fazia nada para melhorar sua vida. Essa combinação de insatisfação e negatividade parecia atrair ainda mais problemas, como se fosse um ciclo interminável. Chega um
momento em que a vida parece dizer: “Não tem mais saída, é loucura ou solidão.” E foi exatamente isso que aconteceu com ela. Agora, no caso da Maristela, é diferente. Aqui, eu olho para a personagem e penso: “Sou vilã.” Sem medo de errar, pelo menos no sentido literal da palavra, eu posso dizer: sou vilã.
Como tem sido pra você interpretar uma vilã em um contexto de época tão distinto, e como você percebe as mudanças no comportamento social retratadas na novela?
É uma vilã deliciosa, principalmente porque está inserida em um contexto que eu nunca vivi. Já participei de novelas de época antes, mas a experiência foi completamente diferente daquela que estou vivenciando agora. Essa personagem cria desafios para todos nós, atores, especialmente pelo contraste entre como nos comportávamos nos anos de 1958 e como vivemos em 2024. O interessante é que, mesmo se passando tanto tempo, ainda temos a oportunidade de dizer coisas que já foram ditas no passado e que, infelizmente, continuam sendo relevantes hoje. A novela mostra que, em muitos aspectos, pouca coisa mudou. O que mudou foi a forma de expor certos comportamentos. Antigamente, tudo era mais comedido, implícito. A agressividade estava nas palavras, nas atitudes, nos gestos, mas era algo que ficava no subtexto. Hoje, tudo é mais direto, escancarado, e muitas vezes de maneira agressiva.
Como você enxerga o papel das palavras e do arquétipo da matriarca em sua personagem, e de que forma a novela envolve o público em torno dessas dinâmicas?
Hoje, parece que demonstrar sentimentos se tornou algo muito fácil e, ao mesmo tempo, muito necessário. No caso desse arquétipo de matriarca que cuida de uma família poderosa, com muito dinheiro e influência, a trama explora profundamente quais sentimentos realmente importam e quais não valem a pena. Minha personagem está ali justamente para administrar essas emoções e, ao mesmo tempo, ajudar o público a refletir sobre o que mudou e o que permanece igual. Embora muitos digam “é só mais uma vilã”, essa personagem não é apenas isso. Eu gosto de brincar com as palavras porque, em uma novela, elas não estão ali apenas para serem ditas, mas para realizar um pensamento, provocar o público a se perguntar: “O que será que ela vai fazer? O que será que vai dizer? O que vai acontecer no próximo capítulo?” Essa mistura de vilania, leveza, cenas emocionantes e momentos impactantes é o que prende o público e dá sentido à novela. A Alessandra conseguiu, com maestria, criar um melodrama clássico, uma grande história que nos envolve completamente, tanto como atores quanto como
personagens. Tudo está nas palavras, e é isso que torna a experiência tão rica e envolvente.
Como é para você vivenciar o processo de produção de uma novela, desde o cuidado da equipe até o envolvimento emocional com a história e os personagens?
Quando você lê a história, sabe exatamente quem é quem. Não há dúvidas, tudo está muito bem definido. E eu estou lá, sim, me divertindo e me emocionando, porque amo fazer novela. Esse desejo de “fazer algo sério” já passou pela minha cabeça muitas vezes, mas quando estou no set, vendo aquelas araras de figurino passando, as caixas com sapatos e acessórios, percebo que esse é o meu lugar. A televisão é isso: magia, detalhes e histórias que encantam. Quando você trabalha com diretores como Natália e Gerson, além de uma equipe tão empenhada e cuidadosa, percebe que não é só sobre o valor financeiro ou os grandes recursos. É sobre o olhar atento, a compreensão e os pequenos cuidados que
fazem toda a diferença. Não sabemos se a novela será um grande sucesso, mas nos dedicamos completamente para que seja. Esse empenho se reflete no compromisso que assumimos de levar a história até o fim com o mesmo cuidado e dedicação. É por isso que sou grata e emocionada por fazer parte desse processo. Muito obrigada!
Como tem sido para você interpretar esse personagem, e de que forma ele contribui para sua evolução como atriz e para a percepção do público sobre o seu trabalho?
Eu adorei esse personagem, foi uma surpresa incrível. Não esperava mesmo, e sou muito grata por essa oportunidade. Acho que cada novo personagem nos ensina algo. Eu nunca chego em uma cena pensando: “É assim e pronto.” Pelo contrário, quanto maior o meu desconforto, maior é a minha vontade de acertar, e isso reflete no trabalho de todo o elenco. No núcleo em que estou, percebo o quanto todos estão comprometidos. Quando recebemos visitas no set, sentimos que há uma energia boa, um
ambiente acolhedor. Essa troca é sempre muito bem-vinda. Desde Páginas da Vida, aprendi a importância de mostrar diferentes facetas do meu trabalho. Por muito tempo, fui vista apenas como uma atriz de papéis divertidos, mas venho provando que posso ser muito mais: posso ser amada, odiada, ou até mesmo algo no meio-termo. Com essa novela, acredito que estamos perpetuando a importância da dramaturgia como parte da nossa cultura. A história é bonita demais e merece ser vista, e esse é o nosso grande desafio: fazer com que o público sinta isso também. Agradeço a todos da equipe por essa
experiência tão rica.