A coroa dela é eterna e está pra nascer alguém que a tire da nossa rainha. Nascida em Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, Xuxa Meneghel é considerada uma das personalidades icônicas da televisão brasileira. Em 1983, ela foi convidada para apresentar o programa infantil “Clube da Criança”, na extinta TV Manchete. Foi então que ela se tornou uma das apresentadoras infantis mais populares do país. Com mais de 40 anos de carreira e 60 de idade, Xuxa está mais solta e leve para escolher o que quer fazer.
Para comemorar mais um ano de vida, ela se dedica a projetos nos quais se identifica, e com a sensatez de quem viveu momentos difíceis, mesmo sendo privilegiada, como ela mesma diz. Apesar de sempre ter feito isso, de uns tempos pra cá tem pedido por mais empatia, amor e compaixão “Para termos um mundo melhor”, diz a eterna rainha dos baixinhos que está envolvida em um novo trabalho, “Caravana das Drags”, um reality show que acompanha dez artistas drag brasileiras em todo o país em uma competição pelo título “Soberana da Caravana”. No comando do programa, Xuxa se reinventa e cria sua própria drag, apelidada de Morgana Sayonara.
“É algo que corre no meu sangue porque eu amo as roupas exageradas”, confidencia a apresentadora que sempre foi apaixonada pelo universo drag e sempre teve o sonho de apresentar um programa como este. “Estou realizando o meu grande sonho”. Nesta entrevista, Xuxa fala sobre a oportunidade de aprendermos mais com o próximo. “A consciência, a inteligência, a maturidade e a experiência desse mundo irão ensinar muitas pessoas. Nós mulheres temos muito que aprender”.
Xuxa, você já teve alguma experiência anterior com a arte drag? Como você acha que o público vai receber a sua participação no programa ‘Caravana das Drags’?
Eu queria ter tido a possibilidade, aliás, eu briguei muito e levei várias ideias para a Rede Globo, Record, mas não tive oportunidade. Quando o Prime Video e a Amazon vieram com a ideia, pensei que eles estavam brincando. Esse sonho estava guardado numa caixinha com uma chave muito especial, mas eu não tive uma oportunidade anterior de torná-lo realidade. Apenas via vários outros artistas, apresentadores, mostrando a arte drag, algo que eu sempre fui muito apaixonada.
O meu programa era inclusivo, eram pequenas sementes que apareciam mostrando esse trabalho. Eu sempre pensava que era exatamente aquilo que eu queria fazer. Agora, estou realizando o meu grande sonho – não digo de infância – mas de uma vida toda, porque sempre fui um pouco drag, entrar pela porta da frente com um tapete cor de rosa e com um arco íris no fundo, pra mim, sempre foi incrível.
Você comentou sobre ser um sonho antigo, mas o que de fato te atraiu no universo drag?
É algo que corre no meu sangue porque eu amo roupas exageradas. Quando eu cheguei no estúdio queria falar com todas as participantes, mas os meus olhos não saiam das roupas (risos). A minha mãe (Alda Meneghel) desde pequena sempre me vestia com algumas fantasias em Santa Rosa. O mais bacana disso no mundo das drags é a transformação, o que elas conseguem fazer, porque elas são artistas completas. No decorrer do programa os desafios mostram isso, elas costuram as roupas, se maquiam, fazem suas perucas, desenham, cantam, sapateiam, dançam, dublam.
É uma mistura de tudo que deixa o artista completo. Estou há quatro décadas na televisão, é incrível de ver. Eu agradeço a elas por me deixarem entrar no mundo delas, porque se existe artista, que vem de artificial, de fazer arte, de ser alguém que não é, elas conseguem mostrar isso. Sou fascinada. É difícil dizer o que de fato me chama a atenção nesse universo, mas eu adoro esse colorido, esse glamour, purpurina. Eu sempre gostei e depois de adulta gosto mais ainda. Eu tenho um certo exagero. Estou feliz da vida.
Diante desta resposta, qual foi a sua inspiração na hora de se montar para o programa?
Eu batizei a minha drag de Morgana Sayonara porque era o nome que a minha mãe queria me dar.
A minha drag não é desse planeta. A Morgana é um pouco mais futurista, por isso as ombreiras. Ela foi crescendo através do figurino, da maquiagem, e eu fui aprendendo. Primeiro fiz uma boca muito grande, mas percebi que não funcionava pra mim, depois o olho, mas também não funcionou, no final a Morgana começou a aparecer mais, mas a minha inspiração é de um ET.
Qual foi o momento que mais te emocionou durante as gravações?
Em uma das apresentações, não vou falar de quem, eu imaginava que a pessoa viria com uma comédia, mas me fez chorar como uma louca, porque falou sobre preconceito e discriminação, que era algo que estávamos vivendo de um ex-governo que graças a Deus acabou, mas que me marcou muito. Eu fiquei muito chocada e impactada. Eu estava vivendo esse momento político de muito preconceito e discriminação, ouvir aquelas palavras mexeu muito comigo. Foi impactante.
‘Caravana das Drags’ é uma competição, mas em algumas cenas elas se ajudam…
Nós, mulheres, não vemos muito disso no nosso meio. É postar uma foto sem maquiagem, que a primeira coisa que a outra vai dizer é que você está velha, feia, “olha ela sem maquiagem”… Mas, no mundo das drags não. Quantas vezes eu as vi se ajudando em todos os sentidos, maquiagem, roupa, cabelo. Poderiam dizer ‘não, não vou ajudar, é uma competição’. E quando elas erravam, reconheciam. A consciência, a inteligência, a maturidade e a experiência desse mundo irão ensinar muitas pessoas. Nós, mulheres, temos muito que aprender.
Antes de entrar para este universo, quais eram as suas curiosidades?
Eu tinha a curiosidade de saber como é que guardavam algumas coisas, se doía, se apertava, porque o Ikaro (Kadoshi) ficava quatro horas sentado do meu lado em uma única posição. Quando ele se levantava dizia: ‘não estou sentindo nada’. Gente, que dor, e ele aguentava com um sorriso, com uma alegria, e não saia uma purpurina do lugar. Como consegue? Temos muito que aprender, inclusive sobre o que eu acabei de falar. E também curiosidades que vão surgindo no decorrer do tempo, expressões que elas usam entre si, vamos aprender do início ao fim, mostrar um Brasil enorme que muitos brasileiros não conhecem. Esse programa vai passar em vários países, mas o mais importante é que vamos mostrar para os brasileiros que não conhecem o nosso Brasil através da arte das drags.
Xuxa, essa convivência permite você conhecer um pouco mais sobre a vida dessas artistas, diante disso, qual foi sua maior dificuldade em ter que julgá-las durante a temporada?
Eu sempre tive dificuldade, primeiro porque eu estava lidando com o sonho de cada uma. Quando comecei a me envolver, a conhecer suas histórias, de deixar ou não a família, de ter ou não apoio do companheiro… Ter que julgar porque a roupa ou a maquiagem não estavam legais, mas apresentou bem, me fazia lembrar das histórias e eu queria colocá-las no colo. Foi muito difícil. Sabemos que não é barato ser uma drag, ter esse brilho, as roupas, é preciso a ajuda do companheiro, do marido, da família, e muitas das vezes as roupas são emprestadas, é muito difícil pra todas elas.
O programa vem para trazer lições e histórias emocionantes, qual foi a maior lição que você tirou dessa experiência e dessa troca com todo o elenco?
Diversidade. Elas são pessoas muito diferentes, mas que se unem em uma palavra: preconceito. Todas elas sofreram preconceito, seja em casa, na escola, na cidade, no dia a dia, no trabalho. Nesse preconceito que elas sofrem, ou sofreram, ou irão sofrer um dia, porque o mundo não é o que a gente imagina e está longe de ser, aprendi e tive a certeza de que nós que somos privilegiadas, que moramos e vivemos numa bolha, temos que nos colocar no lugar delas. Elas fazem isso o tempo todo, se colocam no lugar uma da outra, mesmo às vezes se alfinetando, mas é sempre com a intenção de ajudar. Eu aprendi muito.
É no glamour que elas se conheceram, mas é na dor que elas se abraçam.
Não tem aprendizado maior. Eu que convivi em levar a alegria para as crianças, adolescentes jovens, homens e mulheres nessas quatro décadas, vi que não basta. Para termos um mundo melhor precisamos ter compaixão, amor, respeito, e isso temos de sobra nesse mundo que eu fui convidada a entrar e não quero sair nunca mais porque tenho muito o que aprender. É na dor que elas se unem, e isso é tão forte. Aqui temos diferentes histórias; todas elas sofreram preconceito de alguma maneira e todas se abraçaram. É o que falta no mundo.