Introdução: Mariana Marçal / Entrevista: Ester Jacopetti
Fotos: divulgação
Alice Braga, 38, seguindo os passos da tia, Sonia Braga, há anos luta pelo protagonismo feminino na dramaturgia nacional e internacional.
Paulistana, é estrela desde a barriga e nasceu em berço que brilha: é filha da atriz Ana Braga com o jornalista Ninho Moraes e sua irmã, Rita, é produtora de cinema. Mas foi Sonia uma das responsáveis por abrir portas na indústria cinematográfica estrangeira.
O primeiro trabalho de Alice Braga como atriz foi no curta-metragem “Trampolim”, em 1998. O papel seguinte foi no filme “Cidade de Deus” (2002), um sucesso de bilheteria que impulsionou a sua carreira – na época, a atriz ainda estava no último ano do Ensino Médio.
Ah, ‘peraí’! Na verdade, a história é outra: ela iniciou a carreira de atriz aos oito anos de idade, protagonizando um comercial de iogurte.
Quem diria que anos depois estaria interpretando ao lado de Will Smith em “Eu Sou a Lenda” ou com Matt Damon no longa “Elysium”.
A paixão pelo cinema, fez Alice recusar alguns trabalhos em minisséries e telenovelas nacionais como “Belíssima”, “Amazônia” e “JK”. No entanto, brilhou em “Carandiru – Outras Histórias” e “As Brasileiras”.
Com a vida pessoal reservada, restringe seus quase 900 mil seguidores a mergulhar em seu universo profissional com uma pitada de seu posicionamento político.
Extremamente perfeccionista em relação ao seu trabalho, a atriz confessou em diversas entrevistas que odeia se assistir, pois tem vontade de refazer muitas cenas.
Atualmente, ela dá vida à estudante de medicina brasiliense Mônica, no filme Eduardo & Mônica – personagem criada pelo cantor Renato Russo. “O nosso rock tem uma força que reflete em gerações falando com outras gerações”, afirma. Apesar das características cantadas pela banda Legião Urbana, Alice e Gabriel Leone (que interpreta Eduardo) criaram a espinha dorsal dos personagens, remontando não só uma história de amor, mas dando vida real a dois jovens apaixonados. “Ele a faz crescer. Aquele menino transforma ela num lugar muito diferente, mais do que ela transforma ele. A vida é sobre isso, a gente aprende com o diferente”, comenta. Que delícia de entrevista. Boa leitura!
Vamos começar falando do filme ‘Eduardo & Mônica’ nos cinemas brasileiros. Como foi para você fazer esse personagem que marcou a juventude de tantos brasileiros?
O René (Sampaio – Diretor) me tirou de uma zona de conforto que eu amei, porque venho de projetos como ‘A Rainha do Sul’ – que, de um modo geral, as personagens são mais densas e dramáticas. Eu, Alice, dou risada alta, sou muito solar, e o René buscava isso; foi um processo muito interessante de achar dentro da Mônica um lado meu; as diferenças que eu tenho com ela são a complexidade daquele momento, vivendo naquela Brasília de 1986, de uma garota que quer viver o mundo e isso é muito diferente de mim que viaja bastante. Foi um processo delicioso me reconhecer na Mônica, saber quem é essa mulher, entender essas diferenças e viver por elas.
Nós temos observado o comportamento das mulheres no cinema, a maneira como o protagonismo tem crescido na questão da representatividade. O que você pensa a respeito deste assunto?
Eu tenho buscado essa discussão sobre o protagonismo feminino, de como a gente dá mais espaço e chance para escritoras feministas, diretoras mulheres; eu também acho lindo, por exemplo, quando tem um personagem masculino que tem a oportunidade de ser mais sensível. Por que, normalmente, essa é uma característica de um personagem feminino num filme? A relação entre pai e filho é tão especial, mágica e, às vezes, a gente não expõe. Nós somos todos seres humanos! Nós temos que interpretar seres humanos e suas histórias; não necessariamente o gênero, mas quem eles são. Essa discussão sobre o protagonismo feminino existe e somos felizes em contar histórias de pessoas.
Acho lindo, por exemplo, quando tem um personagem masculino que tem a oportunidade de ser mais sensível. Por que normalmente essa é uma característica de um personagem feminino num filme?
Você vem de uma leva de filmes de ação, com armas, gente morrendo, desgraça em massa (risos)… Em que momento você percebeu que precisava se envolver com outros projetos?
Na verdade, nunca foi muito calculado. Nunca pensei: eu vou fazer esse filme porque vai me dar isso ou aquilo. Nunca pensei muito em carreira. Eu sempre pensei nas portas que foram se abrindo e nos desejos das coisas que eu queria fazer, o que resultou em vários filmes de ação. Eu não quero fazer só um tipo de filme; é uma busca como atriz de ir atrás de desafios, novos caminhos e me divertir. Eu acho muito legal quando a gente consegue fazer um trabalho que estamos a fim de fazer.
A Mônica de ‘Eduardo & Mônica’ é uma personagem clássica que está na memória do povo brasileiro; qual foi sua reação quando recebeu o convite para interpretá-la?
Eu fiquei com frio na barriga, porque quando eu conversei com o René e a Bianca (de Felippes – Produtora) essa foi a primeira sensação: frio na barriga! Essa canção é uma referência pra muita gente, goste ou não da ‘Legião’, goste ou não da música; todo mundo sabe como a letra começa, todo mundo já dançou em alguma festa, faz parte da cultura pop brasileira, todo mundo já imaginou quem é essa Mônica e esse Eduardo, todo mundo já fez alguns clipes brincando na internet e deram vida a esses personagens. É o mesmo desafio de quando você adapta um livro para o cinema. Essa “música” foi um desafio lindo de interpretar, uma grande honra também; como o Gabi (Gabriel Leone – ator) disse, a Mônica é um pouco do Renato (Russo), assim como o Eduardo também é um pouco do Renato, então, é também fazer uma homenagem a um grande poeta brasileiro que eu admiro muito. Mais do que tudo, dá um frio na barriga. A ‘Legião’ é uma banda incrível para a nossa história.
“Essa foi a primeira sensação: frio na barriga” – Alice sobre quando recebeu convite para interpretar a Mônica
No filme, tem uma cena muito clara sobre ditadura e comunismo, qual a sua visão crítica sobre este assunto, especialmente diante do governo atual que nós temos?
Em relação à ditadura militar, infelizmente, a história se repete e não só no Brasil, mas no mundo. Nós estamos vendo repetições de histórias que já aconteceram e, infelizmente, voltaram a acontecer e não estamos dando a devida atenção a isso. Os extremos sempre levam à catástrofe e destruição. Essa cena específica do filme, nós filmamos em 2018, até então o Bolsonaro não existia ainda, quer dizer, existia, mas ele não era o nosso presidente. É muito interessante as pessoas assistirem esse filme agora com seus filhos, com seus netos e verem – pelo menos pela ótica da Mônica – que, infelizmente, esse governo é mentiroso, porque a ditadura militar não foi uma revolução; muitas pessoas morreram e nós não podemos apagar isso da nossa história. Esse filme traz de maneira leve e sútil que é importante a gente ter a aceitação do outro, falar sobre o outro, ter o amor mais do que tudo e olhar o diferente.
Se tem uma coisa que o filme faz bem é resgatar algumas músicas dos anos 80, mas de que maneira a trilha influenciou na criação da personagem?
Eu era muito fã da ‘Legião’; pra mim sempre foi a banda referência de rock; as músicas são impressionantes, mas a música que eu mais ouvi da Mônica, que não foi ‘Eduardo & Mônica’, foi ‘Perfeição’; pra mim era um drive muito forte e essa música me tocou muito. Tristemente é uma letra que fala muito sobre o Brasil nos dias de hoje, como tantas outras letras da ‘Legião’. O nosso rock tem uma força que reflete em gerações falando com outras gerações, que pode inspirar de um lado mais profundo.
No filme é nítido a simplicidade e o companheirismo entre você e o Gabriel [Leone]; de que maneira vocês construíram essa relação em cena?
Foi muito engraçado porque eu e o Gabriel entramos nessa história de forma muito louca; cada um tem a sua própria vida; eles me chamaram pra fazer o filme, demoramos, tivemos problemas de licenciamento, o filme atrasou, eu não podia fazer. O Gabi fez o teste, voltou anos depois pra fazer o teste novamente, fizemos o teste juntos, ficou incrível, eu quase saí do filme por causa de datas e o Gabi também. Eu acho que era meio que o destino fazermos juntos.
Nesse tempo eu fiquei admirando muito o Gabriel e o ator que ele estava se transformando, os projetos que ele estava fazendo e quando rolou, eu estava muito feliz de trabalhar com ele. Eu estava muito inspirada em conhecê-lo. Se a gente não tivesse entendimento como parceiros criativos, sobre eu entender quem é o Eduardo e ele entender quem é a Mônica e criar os personagens juntos, ia ser impossível existir o filme. Eu perguntava muita coisa pro Gabi e percebi o ator criativo que ele é e o parceiro de cena que ele poderia ser; eu queria muito que ele alimentasse a minha Mônica; muito dela que nós vemos no filme se formou porque ele me ajudou nesse processo, a partir de quem era o Eduardo.
Nós ficamos muito nesse jogo criativo e de inspiração para criar esses personagens juntos. Foi muito legal porque as diferenças que nós fomos criando foram na base de amor, da Alice pelo Gabriel, do Gabriel mais ou menos por mim (risos).
Você comentou sobre sair da zona de conforto; quais foram os principais desafios que você encarou para viver a Mônica e o que de fato você achou mais bonito no filme?
Havia as características do Renato que ele colocou na música, mas precisávamos criar a espinha dorsal dos personagens; são coisas que você vê num contexto familiar, no universo. Fomos tentando criar seres humanos.
Obviamente, quando você escuta a música talvez não imaginaria que a Mônica fosse roqueira; tudo bem ela andar de moto, mas isso não quer dizer que ela é roqueira, tudo bem que tem Bauhaus e tal, mas especificamente qualidades e características tivemos que criar para se tornar um ser crível. O mais lindo do filme é que conseguimos transmitir que ele a faz crescer, e ela é mais velha do que ele (…) Nós temos que aprender com o outro; Aquele menino transforma ela num lugar muito diferente, mais do que ela transforma ele. A vida é sobre isso, a gente aprende com o diferente.
Uma pessoa que cursa medicina e gosta de arte tem um conflito muito imediato, porque são duas coisas muito diferentes. O filme tem essa qualidade porque são duas coisas muito diferentes; é um filme feito em equipe, que é a mesma do ‘Faroeste Caboclo’, ficamos encantados com a dedicação e o amor da equipe. Foi um divisor de águas pra mim.
Outros trabalhos marcaram o currículo da atriz, como, por exemplo, “Cidade Baixa” – pelo qual levou os prêmios de melhor atriz no Festival de Veneza e no Festival do Rio -, “Só Deus Sabe”, “Cheiro do Ralo”, “A Via Láctea”, “Eu Sou A Lenda”, “Cinturão Vermelho”, “Ensaio Sobre A Cegueira”, “Território Restrito”, “Os Coletores”, “Mate-me Mais Uma Vez”, “Predadores”, “Os Amigos”, “Latitudes”, “Muitos Homens Num Só”, “Cabeça A Prêmio”, “Na Estrada”, “O Ritual”, “Entre Idas e Vindas”, “A Rainha do Sul”, entre outros.
“Ele a faz crescer. Aquele menino transforma ela num lugar muito diferente, mais do que ela transforma ele. A vida é sobre isso, a gente aprende com o diferente”