Por Adriana Rodrigues Xavier
O dia era 13 de novembro de 2023, uma das tardes mais quentes do ano. O cenário era a escola, mais especificamente seus corredores que abrigam o trânsito de crianças, adolescentes e professores, no ir e vir da demanda do dia, com o arrastar das mochilas, as vozes e a campainha forte do sinal.
Nessa tela em movimento, encontro meu personagem principal, um menino do alto dos seus 14, 15 anos, vestindo calças e um grande agasalho escuro de moletom com as mãos nos bolsos. Apesar da touca em sua cabeça, era possível ver seus longos cabelos por volta dos ombros e que lhe cobriam parte do rosto. Eu olho para ele, dou um aceno e ele timidamente retribui com um sorriso discreto.
Cheguei em minha sala de aula, imediatamente liguei o ar condicionado e comecei a preparar o ambiente para a chegada dos meus estudantes para o início da aula. Apesar do envolvimento com minhas tarefas, não pude tirar aquela visão da cabeça: aquele jovem coberto de tantos panos em um dia preocupantemente quente, andando curvado com o peso de seus materiais nas costas. Corriqueiro? Comum? Para mim não.
Carreguei aquela cena nos olhos o dia todo e me surpreendi ao perceber que havia outras situações semelhantes ao meu redor, não só na escola, mas no condomínio, nas ruas…enfim, jovens cobertos, com olhares distantes e cabelos cobrindo a face.
Ao mesmo tempo em que eu refletia sobre aquele estudante, em meio aos meus caminhos, andando pelas ruas, observei outros jovens em bairros mais simples ao meu redor. Eu os vi empinando suas bicicletas e pipas nas lajes, pegando carona nos caminhões para subirem a ladeira, com seus peitos nus, seus calçados e bermudas surradas. As meninas, com shorts curtos, andando livremente pelas ruas, falando alto e rindo umas das outras segurando seus cadernos contra o corpo no trajeto até a escola pública.
Não consegui resistir a fazer uma análise sobre aquelas presenças paradoxais em meu íntimo, então, me lembrei de um artigo da querida e sabida Rosely Sayão para a Folha de São Paulo em que ela fala sobre a nossa superproteção, e o quanto a mesma pode afetar a autoestima das nossas crianças e adolescentes, simplesmente por estes não se acharem capazes e suficientes para decidir, pensar, sentir, SER.
Esses meninos e meninas, provavelmente libertos dessas amarras pelas ruas dos bairros próximos aos condomínios de luxo da região, parecem exercer suas vontades, risos, opiniões, parecem se expor mais, frutos de lares com diferentes conduções, prioridades.
O menino do agasalho e touca que andava cabisbaixo pela escola naquele dia tão quente, certamente vinha de outro contexto, imerso em outra narrativa, códigos de convivência e valores diferentes. Diante de tamanha disparidade, me pergunto – e digo isso porque a pergunta deve ser primeiramente dirigida a mim mesma, que também sou mãe e estou às voltas com os mesmos dilemas – o que estamos fazendo de errado?
Por que nossos adolescentes se cobrem, se envergonham de suas imagens, se curvam diante de ameaças invisíveis projetadas por eles mesmos em um vazio sem fim?
Estou falando de um grupo que me chama a atenção, um pequeno exército de cabeças encurvadas, vozes baixas e tons escuros. Certa vez, fui perguntar algo a um desses meninos e tive que afastar seus cabelos para poder ver seu lindo rosto! Sim, lindo!
Eles são lindos, assim como os que estão nas lajes e nas ruas! A nossa juventude, nossos meninos e meninas, se descobrindo, se reconhecendo no mundo.
E em meio a essa toada, penso sobre o que é beleza para nossos adolescentes, aliás, onde está a beleza em suas vidas? Como educadora, penso que seja urgente falarmos sobre ela, pois como diz nosso querido José Pacheco, “se há educação, também deve haver beleza, pois educação é um ato estético”. E não estou falando de padrões fechados e estereótipos, claro que não! Estou me referindo ao tempo que temos reservado a contemplação do belo, a toda forma de expressão da arte. Fui certa vez a uma palestra com o mestre da psicomotricidade, o espanhol Juan Garcia, que convidava jovens marginalizados a apreciarem Van Gogh e fixava obras nas janelas onde os meninos viviam, pois ele dizia que a BELEZA os regenerara! E o olhar deve ser ensinado, nutrido e cabe a nós essa missão.
E, voltando a nossa inquietação, me pergunto:
Então, qual é a solução? Soltar de vez as amarras? Deixar de assessorar, de prover os desejos? Pensei que não! Essa reflexão também trouxe para mim a necessidade de se permitir a frustração, o conflito, o choro, a raiva e procurar exercitar uma interlocução mais saudável, limpa, livre de pesos, favorecer a busca de soluções inventivas, amplas, criativas, para que nossos meninos andem de cabeça erguida, no sentido de já terem evoluído para a postura ereta do homem sobre a Terra, com os olhos firmados no horizonte a contemplarem tantas e vindouras possibilidades, além do próprio reflexo no espelho, o qual temem.
Meus meninos e meninas, vocês são belos! Podem acreditar! Queria poder falar com cada um e descrevê-los, com todo amor.
Um novo ano está começando e com ele uma nova chance de vivermos inéditas e doces experiências com nossas crianças! Te convido a mudar! Lindo ano para todos nós!
Deixo um filme inspirador para essa tarefa:
Pequena Miss Sunshine