A menina debruçada no portão na hora da saída da Escola, espera o pai chegar para buscá-la e deixa-se levar pela brisa quente do final da tarde. O céu avermelhado pelo pôr do sol não chama a atenção dos seus olhos distantes. O rosto apoiado em seus bracinhos e uma certa ternura inquietante naquela cena chama a atenção da professora, que se aproxima, acaricia seus longos cabelos e a indaga:
“Você está bem minha querida? Não quer brincar com suas amigas enquanto espera o papai?”. Ela respira fundo e contemplativa a mirar em algo invisível responde:
“Não quero brincar, estou entediada… Queria chegar logo em casa para baixar um jogo novo no meu IPad.”
A professora continua:
“E o que você faz nesse jogo?”. Ela se vira, sorri e revela com certa animação:
“Ah, é muito legal, Prô. A gente brinca que tem uma casa, brinca com amigos de casinha… Lá eu posso ter até um cachorri-nho, sabe?”
O pai chega e ela entra no carro.
O vazio imenso presente naquela cena me faz refletir sobre a falta que essa geração tem vivido, daquilo que não conhecem por completo, do que não viveram. Um certo torpor pareceu tomar conta daquela menina que ao meu ver, representa tantas outras crianças em um verdadeiro estado de abstinência de um recurso virtual em que a brincadeira acontece em uma esfera impessoal, impalpável, insípida.
Muito se tem falado sobre o uso de telas na infância e na adolescência, o que fazer? Como manejar essa situação? Proibir? Dosar?
Como educadora e mãe de uma menina de 13 anos, vivencio constantemente esse debate e me vejo diante do desafio de encontrar a medida quanto a exposição a todos esses meios de comunicação e entretenimento. Também me sinto mobilizada a orientar famílias nesse sentido, procurando acolher todo e qualquer cenário que se apresente.
Quando discutimos essa pauta, não podemos deixar de levar em consideração o fato de que os nascidos entre 2017 e 2020 vivenciaram uma primeiríssima infância trancados dentro de casa com o fantasma do Covid-19 a solta. Não havia escola, amigos presentês, festas, reuniões familiares e essa conta tem sido paga em um financiamento a perdemos de vista na vida desses pequenos.
Desconstruir um mundo virtual que se fez tão presente tem sido uma tarefa difícil, pois o ócio sobre o qual esses pequenos conhecem, está associado ao consumo dessas telas com seus jogos e vídeos. É tão potente essa realidade, que, com meus 30 anos de magistério, nunca havia visto tamanho desconforto nas crianças em conseguir viver o presente com a mera simplicidade de estar e ser, de se permitir o gesto livre, leve e ao mesmo tempo regulado. Vejo semblantes preocupados, meninos e meninas com pouco ou nenhum repertório quando diante de um campo aberto…
O corpo fica paralisado, as mãozinhas suam e geralmente eles vêm em minha direção dizendo algo como:
“O que faço agora?”. “Estou entediado”.
Em cada lar há um combinado, um cuidado, sim, sabemos que há…
“Tela só por algumas horas por dia”, ou “Você não arrumou seu quarto então vai ficar sem o tablet.”
Mas minha reflexão creio que tenha a intenção de ser mais profunda, procurar absorver essa necessidade quase inconsciente da nossa geração Alpha ou os chamados “Nativos digitais” de estarem sempre conectados.
Nossos pais, avós, bisavós e até tataravós, também estiveram expostos aos progressos tecnológicos de suas épocas, mas de fato temos que admitir o quanto cada vez mais o desafio aumenta no sentido principalmente de vivermos diariamente a necessidade de um resgate de tudo aquilo que a gente não viveu e precisa urgentemente viver!
A cada ano que passa, vejo em minhas turmas mais crianças que chegam ao 1º ano sem saberem pular corda, escalar ou subir em árvores. Também nunca se viu tamanho boom no surgimento de publicações literárias para a infância, especializadas em tratar do emocional, como um tipo de auto ajuda aos pequenos.
Ou seja, a equação que me vem à mente é: pouca natureza e vivência do corpo + grande exposição ao uso de telas e tecnologias virtuais = extrema dificuldade nas inteligências intra e interpessoal.
Então vamos lá pra fora, deixar os conflitos aparecerem, tratar dos joelhos ralados, secar as lágrimas, abraçar as inseguranças e perseguir nossa infância!
Dica de leitura: A Parte que Falta – Shel Silverstein
Por Adriana Rodrigues Xavier
Educadora