Por Ana Luiza Castro
Uma das coisas que mais me emociona na vida são as pessoas que têm gana de viver. Pessoas que mesmo com as adversidades da vida não deixam de seguir em frente, sorrindo, lutando e, principalmente, aprendendo.
Dona Maria é pernambucana, órfã e de origem humilde. Foi criada por um tio e chegou a São Paulo em busca de uma vida melhor. Foi doméstica e copeira a vida inteira e, quando se aposentou, decidiu fazer atividade física. Por nossa sorte, ela chegou até a equipe e rapidamente conquistou a todas. Dona de um caráter único, mostrou-se uma mulher forte, pois mesmo com poucas oportunidades de estudos e muito trabalho pesado, nunca reclamou da vida.
Frequentemente costumo contar uma história sobre ela que me marcou muito. Ofereci a ela uma vaga gratuita no grupo, pois sabia de suas condições financeiras e, para mim, seria uma honra tê-la na equipe. Mas, além de recusar a vaga, me trouxe um ensinamento que até hoje uso em meu marketing pessoal, pois de bate pronto respondeu que preferia gastar com a saúde do que com a doença e que, por isso, faria questão de pagar como qualquer outra aluna. Me lembro que por dias admirei o pensamento daquela senhora que não sabia nem ler e escrever, mas sabia a essência e a importância de tudo que eu acreditava.
E assim foi por anos e anos. Levava o dinheiro enroladinho todo primeiro sábado do mês. Tiveram vezes que, mesmo sem ir para correr, ia no dia certo para me entregar o dinheiro. Inesquecível.
Desde o início da pandemia, Dona Maria se manteve isolada. Uma vez a vi caminhando com a camiseta da nossa equipe; segundo sua filha, esse era um dos seus grandes triunfos: ter as asas deste time. Naquele dia percebi que ela estava um pouco confusa, com dificuldades de lembrar quem eu era. Fingi que não percebi, mas senti um aperto no peito, era o tempo e as marcas da vida se fazendo presentes.
Soube neste fim de ano que Dona Maria, ao tentar completar mais uma São Silvestre – uma prova especial para ela por ser a realização de um sonho de menina – se perdeu no caminho e ficou um dia desaparecida. A história teve muita comoção da equipe; não me recordo de ter recebido tantas mensagens no mesmo dia. Felizmente ela foi encontrada em um bairro que trabalhou por muitos anos após passar um dia fora; Dona Maria passou a noite de Ano Novo fora de casa.
Hoje, sua família busca ajuda médica e investiga as falhas de memória e a confusão mental, mas já avisou que a São Silvestre agora será um evento familiar, e não irá mais sozinha.
Talvez, em alguns anos, ela não lembre mais de mim, da equipe, da corrida. Mas jamais iremos esquecer quem ela foi e o que representou para todas nós!